Um dos dez julgamentos inúteis e hipócritas que a religião inventou. Nenhum Deus (macho do Oriente médio) iria perder o seu tempo a aparecer a uma plateia de um único homem – não havia redes sociais – para impingir um conjunto de normas que nunca iriam ser cumpridas. Os mandamentos são como este meu postal. Inútil. O meu tem a vantagem de não ser hipócrita. Sou mesmo a favor da punição de qualquer agressor (homem ou mulher) que maltrate outro ser humano. Incluindo os políticos e os fazedores de leis que dão latitude para que este crime tenha margem para ser praticado e sair em liberdade.
Um postal num fundo vermelho na rede social que nos interliga, ou, um retrato vazio em pano preto, nada mudará no mundo de quem é vítima (homem ou mulher) da violência doméstica. Os números e a história indicam que são maiores os números das vítimas mulheres. Até ao dia 11 de Fevereiro de 2019 já foram 10 mulheres mortas pelos seus companheiros homens, aqueles que partilham cama,mesa e conta bancária, até que os separou a morte provocada. As mulheres de há 40 anos eram ainda mais violentamente mal tratadas e sobretudo caladas. O silêncio era a palavra de ordem. De quem via e ouvia e quem na pela sofria.
Muito mudou com a ajuda de homens e mulheres que se levantaram e escreveram, lutaram e a alta voz gritaram.
Desde que às mulheres (bruxas, feiticeiras,médicas,conhecedoras da artes) a Igreja – feita por homens pouco sábios mas muito hipócritas – retirou o poder de curar, de decidir leis, proteger as tribos/comunidades, em conjunto com homens sábios.
Vindos desses mandamentos incrustados na cultura e tradições cristãs, judaica,muçulmana…onde a mulher teve de assumir o papel de servil e obediente vagina sem direito a monólogo ou masturbação. Para que não restassem dúvidas, a algumas é-lhes cortado o clitóris. Por outras mulheres a quem o crime de mutilação de género foi cultural e ancestralmente incrustado.
A violência continuará a existir dentro das casas e dos relacionamentos estou certa. Sempre houve e sempre haverá. Porque muitos homens e mulheres ainda não se olharam, não se viram não se amam nem se libertaram.
Enquanto educarmos para a violência. Enquanto criarmos sociedades violentas. Enquanto contribuirmos para escrevermos leis que ajudem quem pratica violência sobre o companheiro que um dia amou – ou talvez não – em lugar de punir o agressor quando o crime acontece. Enquanto não acreditarmos nas vítimas de abusos, negligência, maus-tratos, violência sexual, condutas impróprias e abusivas.
Enquanto não derrubarmos os muros que promovem a separação de género, a desigualdade social, a desigualdade salarial. Enquanto praticarmos a política de pobreza e exclusão para fazer melhores negócios. Enquanto cultivarmos o medo como prática de vida que leva à angústia, à depressão, à vergonha.
Basta seguirmos as sociedades que mais se ajoelham às religiões que espalham e espelhem a hipocrisia destes mandamentos. São sociedades cegas há mais de dois mil anos que dão cobertura aos desmandos. Igrejas e ditaduras andam de mãos dadas para que o controlo aconteça. De marido sobre mulher, de homem sobre mulher, de igreja sobre pessoas, de Estado sobre cidadãos. Como dizia o poeta, está tudo interligado. A violência está interligada.
Os preconceitos e o medo começaram a cair. Aos poucos. Este postal numa rede social não muda nada no mundo da violência doméstica – ou qualquer outra – eu sei, mas falar do assunto ajuda. Ser solidário ajuda. Manifestar ajuda. Eu escrevo e conto as suas histórias. Para que nunca sejam esquecidas. Para perdurarem na memória, que é o lugar onde tudo guardamos, para que um dia possamos escolher mudar de rumo.
A grande raça humana pula e avança porque nada é imutável, porque sente necessidade de fazer novos caminhos quando chega ao banco da memória e entende que o caminho que fez já não mais lhe serve.
Rasga o tecido puído e tece novo vestido. Mesmo que de imediato nada mudem qualquer acção de benfeitoria fica registadas no banco da memória colectiva.
Como o pequeno colibri que carrega gotas de água no bico e contribui para apagar o fogo na floresta.
É o que fazem todos os que se juntam em nome das vítimas. E, estas foram já dez. Dez, tantas quantos os inúteis mandamentos religiosos.
Um deles – com integridade e bondade mas pouco – grita aos criminosos “Não matarás”. Estes por serem surdos matam. É dever moral dos acordados, deixarmos de ser cegos.
Como vivo com a angústia de que o ser humano tem tanto de bom quanto de mau contentar-me-ia com o mandamento “não faças aos outros o que não queres que te façam”. Só que os criminosos cegos e surdos fazem e vão continuar a fazer.
Então,precisamos proteger as vítimas de violência, vulneráveis como indica a situação.
Do alto de uma caverna ou rede social qualquer assinemos colectivamente o único mandamento “nenhuma forma de violência pode passar” sem precisarmos de nenhuma religião. Precisamos de novos mecanismos legais e educativos. Desde cedo nas escolas, na Assembleia legislativa, na aplicação das leis contra criminosos (homens e mulheres).
Fazendo também o politicamente correcto dever moral de erradicar paulatinamente as muitas e variadas fontes de violência.
Anabela Ferreira
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