Nós pretos somos todos uns brutos!

Eu e muitos andamos a pregar sozinhos. Sou Cláudia e todos os desprezados, sobretudo da cor que é racializada há quinhentos e picos anos. Quando chega a hora de tomar uma posição contra o racismo, que além de claro é institucional, quando peço “têm de ser outras vozes a exigir o fim”, umas quantas costas que nunca se deveriam voltar viram-se e assobiam para o lado…

É que se forem só as vozes negras a a gritar pela Cláudia (e outros) bem podemos ficar afónicos. E sós. Como as vítimas de manipuladores e violência doméstica. Por uma razão que não nos assiste a culpa é sempre da vítima. Interessante!

O George Floyd não morreu com o pescoço esmagado pela bota branca? Há provas do que aconteceu. No caso da Cláudia basta ver o vídeo, a forma como foi tratada para se perceber a realidade. O resultado podia ter sido igual ao caso anterior. 

Resistiu? Não devia? A Polícia se quer ter razão, tem de estar preparada para a eventualidade, com o  uso correcto e proporcional de força e autoridade. Um polícia preparado fisicamente, uma mulher, uma cara amassada, um mata-leão… 

Portugal teve quinhentos anos de impunidade. Portugal teve mais cinquenta anos – desde o 25 de Abril – de impunidade, passando entre os pingos da chuva, fazendo de conta, assobiando para o lado, varrendo para debaixo do tapete, desvalorizando, ridicularizando quem se queixa, fazendo “gaslighting” a quem explica que Portugal não é vítima antes sim é culpado. Portugal devia ter vergonha e assinar legislação que criminalize o racismo. 

Mas não, vive de negação em negação…todos são responsáveis menos quem tem na mão o poder de dizer “não mais”. 

Portugal devia deixar de imediato a permissão de casos deste calibre chegarem onde este chegou – condenando quem mordeu para se defender e punir quem é autoridade e não a soube mostrar.

Sim, vou desconfiar sempre de um Polícia quando se trata de gente preta, se o agente não souber ser agente. 

Portugal tem de imediato parar de dizer que é santo e angélico. Que não fez mal a ninguém, nem é responsável pelo racismo. 

Portugal tem de admitir o que fez e arranjar soluções legislativas imediatas para que casos como a Cláudia, o Ba, o Alcindo, o Bruno não mais sejam motivo de dedos apontados à sua cara por racismo e violência gratuita. 

Tenham vergonha Instituições nada democráticas muito menos limpas do crime de racismo.

Eu faria o mesmo que a Cláudia. Para não ser morta, em legítima defesa contra força bruta, gratuita e desproporcional, morderia o agente. E sofreria uma pena por isso. E sei que só alguns estariam ao meu lado.

Os que sabem que têm a responsabilidade de acabar com isto iriam desmentir a responsabilidade. Iriam inventar que uma cara amassada por murros e agressões diversas, dentro de um carro da Polícia, às mãos de agentes da autoridade era consequência de uma tentativa de resistir…É o que fazem sempre. São os “Karens” lusas. 

A culpa é sempre dos pretos que nem sequer deviam existir com a sua cor maldita, são desordeiros, arrogantes, respondem mal, refilam, resistem, logo merecem, e não se fala mais nisso. 

A luta continua, cada um por si, sempre que alguém enfrenta um ataque racista e vai a tribunal. Resta-lhe morder e ser condenado por resistir usando de graça e elegância para aceitar a pena. Tem sido assim. 

A polícia que tem e deve fazer o seu trabalho – também ela paga com os impostos da Cláudia – tem antes de mais, ser muito bem educada antes de lhe ser dada uma arma e uma camisa azul como representante da Lei e da Ordem. 

Se a Cláudia fosse branca…tanto o motorista quanto o polícia teria deixado seguir a criança sem o passe…tudo escalou porque a cor não passou…e a raiva se instalou por razões que conhecemos. 

Se o que se passou não é (de novo) racismo Institucional, vindo de dentro do país, que termina com a condenação da Cláudia Simões e a falta de condenação ao agente – que sabemos milita numa certa área política que é contra a existência de uma certa cor –  então por favor alguém me explique o que é racismo (não, de facto não preciso explicações, eu sei).

Falo do alto da minhas andanças em transportes públicos com duas netas (idades inferiores a 5 anos na época) e os passes esquecidos em casa, logo a passear-me ilegalmente. Agora que apanho menos sol olham para mim e vêem a cor branca…Ou simplesmente porque não são racistas. No caso da Cláudia eram. 

Falo também do alto das minhas andanças como mãe, tendo vivido muitas situações de racismo algumas vindas das autoridades Portuguesas. Bem graves. A impunidade tomou conta dos resultados. 

Quem começou esta casa, construída com estas estacas foram os brancos e a eles cabe pôr-lhe fim. 

Não vale a pena negarem a existência de racismo. Nem de que um tribunal não é racista. Já não cola. O rei vai nu. E não gosta que lhe digam que vai nu. Tudo se resume a isto. 

Vamos lá rebobinar – sem negar o passado, onde está o erro primordial. Não deixar passar em branco o crime. O objectivo é o de preparar um futuro limpo. Não vejo outro caminho. Ninguém quer vingança, contudo não aceitamos mais a negação, menos ainda a permanente e contínua roda de manipulação. 

Solidariedade contigo Claudia Simões. Podia ter sido comigo. #podiatersidocomigo

Anabela Ferreira

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