O 25 de Abril e o Syriza. (por Vasco Lourenço)

Vasco LourençoA vitória do Syriza na Grécia está a desencadear reacções divergentes como há muito tempo não se verificava na Europa.

Por um lado, os que se congratulam com a vitória, desde aqueles que quase a assumem como sua aos que a olham com simpatia e esperança. Querem o sucesso do Syriza e dos gregos, prontificam-se a um apoio ou simplesmente os apoiam moralmente. Por outro, os que a odeiam, se sentem derrotados nas suas teses e vêem nessa vitória a derrota das suas práticas, temendo perder o poder. Lutam pelo insucesso da aventura grega, pondo obstáculos a todo e qualquer apoio, na ânsia de a transformar numa autêntica vacina para os países europeus que tenham a veleidade de sonhar com idênticas aventuras.

Esta situação faz-me recuar a 1974/1975, quando em Portugal lutávamos pela consumação do 25 de Abril. Também aí surgiram os arautos da “vacina da Europa”, com Kissinger à cabeça, defendendo o boicote a qualquer ajuda, estendendo a passadeira à implantação de um Estado comunista, que lhes permitisse um despudorado ataque a quem ansiava por uma sociedade mais justa. Foram tempos conturbados, mas ricos, porque muito participados, em que os portugueses decidiram o seu destino. Os aliados das várias facções tentaram intervir, mais ou menos directamente, e colocaram-nos à beira de conflitos graves, que poderiam ter-nos envolvido numa guerra civil. Portugal e os portugueses conseguiram encontrar um caminho, que consolidou os valores perseguidos pelo 25 de Abril, nos manteve no espaço político que era o nosso, nos permitiu a entrada na comunidade europeia e mundial, nos salvaguardou a nossa identidade e espaço lusófonos construídos ao longo da História e de vários séculos. Fomos capazes de evitar o pior, de evitar contribuir para guerras maiores, e de garantir condições para sermos donos do nosso futuro.

Mas se o fruto da caminhada então iniciada é a situação a que chegámos, se o que fomos capazes de construir, na nossa incapacidade de fazer melhor, se resume a um País destruído, ocupado e vendido, com uma enorme injustiça social, pobreza e desemprego, com a emigração a voltar a tempos passados, só temos de nos queixar de nós próprios. Não podemos dizer que a responsabilidade é dos outros, como se não fossemos nós que escolhemos – por acção ou inacção – os dirigentes que têm destruído as esperanças que há 40 anos acalentámos, os melhoramentos sociais que a luta dos portugueses alcançou, que desbarataram as mais-valias da integração na comunidade europeia, que corrompem e se corrompem, dando origem a fortunas inexplicáveis e inconcebíveis. A desfaçatez com que mentem, a sem vergonha que assumem diariamente, a ausência de ética e moral nas suas atitudes não podem ser justificações para nos aliviar a consciência.

Estamos numa situação que já não é melhor que a vivida em Portugal antes do 25 de Abril. Mas isso, nunca é demais repeti-lo, não se deve ao 25 de Abril, mas sim à nossa incapacidade para o cumprir totalmente. Ainda temos liberdade? Ainda vivemos em democracia? Teoricamente, sim, mas isso só terá algum valor se formos capazes de as aproveitar para acabar com este estado de coisas. Se formos capazes de, como diria Salgueiro Maia, acabar com o “Estado a que isto chegou”.

Com a vitória do Syriza abriu-se a esperança em que, passados 40 anos, os gregos nos “paguem” o que, então, nós lhes demos, ou, melhor, lhes “emprestámos”. Se, com o 25 de Abril, o MFA e os portugueses ajudaram os gregos a acabar com a ditadura dos coronéis, tenho forte esperança de que, agora, sejam o Syriza e os gregos a ajudarem-nos, a nós portugueses, a sair da situação em que estamos.

Sabemos, a História assim no-lo ensina, que há sempre facínoras prontos a não hesitar em provocar guerras, mesmo que mundiais, desde que isso lhes dê, no imediato, a ilusão da conquista do poder. Sabemos que não são as enormes e monstruosas atrocidades que essas guerras provocam que lhes conseguem tolher as mãos e os braços. Hoje torna-se imperioso que todos os que almejam a Paz sejam capazes de, à volta do essencial, ajudar a que os gregos saiam vitoriosos e nos ajudem a acabar com a “crise”.

A ruptura, na Grécia como em Portugal ou noutros países com situações semelhantes, pode ou não resultar. Nada nos garante que resulte. Mas, entre o deixar-nos afundar com o navio, paulatinamente e a dormir, ou tentar a salvação, não podemos hesitar: temos de optar pela segunda hipótese, mesmo que muito difícil.

A situação no Mundo, e especificamente na Europa, levou-nos à saturação. Estamos fartos, decididos a não aturar mais tudo isto. O primeiro passo deu-se na Grécia. No futuro, nada será igual.

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