O atentado ao Snoopy Hebdo – Texto de ficção (por Jacinto Furtado)

Je Suis SnoopyO ano estava quase a terminar e Gervásio estava preso, não sabia onde iria passar o Natal mas isso também não tinha importância nenhuma. A religião a que se converteu não comemorava o Natal por isso estava tudo bem, não havia problema.

Gervásio era o mais novo de dois irmãos nascidos em França, órfãos de Pais Argelinos, criados pelo sistema, educados pelo sistema. Cresceram, estudaram, formaram-se e lá se dedicaram aos trabalhos do costume, aqueles que sobram para os jovens que não têm Pais políticos ou banqueiros que os coloquem  como assessores de um qualquer serviço público. Entregavam pizzas e aguentavam, ai aguentavam… aguentavam!

Já crescidos, aparvalharam, caíram na esparrela das 72 virgens, fizeram uma viagem de estudo à terra dos cortadores de cabeças, aprenderam a afiar facas e outras coisas de importância vital para a vida dum fundamentalista, por exemplo que a mão direita é pura e a esquerda impura, com a direita louva-se Deus com a esquerda limpa-se o cú. Aprendida que estava a lição voltaram a casa, à casa que os viu nasceu, que os criou e que os educou, a casa que os preparou para a vida.

Eles nem acharam nada estranho, foram criados numa república laica, não conheciam nada dessas coisas do fundamentalismo religioso e depois lembraram-se que na escola os tinham ensinado que o seu País laico e democrático também tinha sido, até 1977, um País de cortadores de cabeça. Parecia-lhes tudo normal, tudo mítico e ainda por cima tinham as 72 virgens à espera…. Aiiii as virgens, ainda por cima setenta e duas, isso é que ia ser esfarrapar! Eles bem tentavam engatar umas garinas convidando-as para comer pizza à luz da vela, mas não se safavam.

Voltando ao Gervásio, em Dezembro estava preso por alegadas ligações a movimentos terroristas mas foi libertado. Ambrósio, o seu irmão mais velho esperava por ele. Era suposto que as autoridades não os perdessem de vista, era suposto que acompanhassem todos os seus movimentos e até, quem sabe, a sua busca das 72 virgens. Se o fizeram ou não é algo que nunca vamos saber, o que sabemos é que Gervásio e Ambrósio, poucos dias depois do primeiro ter saído da prisão foram protagonistas duma “operação militar de grande precisão e muito bem planeada”, segundo opinião de alguns especialistas.

Gervásio e Ambrósio decidiram defender a honra do profeta, não que o profeta lhes tenha encomendado a defesa, mas eles pensavam, ou alguém pensava por eles que a honra do profeta tinha sido violada pelos infiéis dum jornal chamado Snoopy Hebdo. Vestiram as fatiotas profissionais, gorros completos enfiados pela cornadura, botas, luvas e toda a panóplia de equipamento que fazia falta para a missão.

Objectivo? Definido!

Estratégia? Planeada!

Lá foram eles com a seu profissional planeamento em direcção à rua onde do Snoopy Hebdo. Lá chegados eis que têm o primeiro contratempo, enganaram-se na porta “oh merde mas afinal não é ici!” disse o Ambrósio meio atrapalhado. Gervásio manteve a calma e lá foi perguntar o caminho “oh fax favôr, pode dizer-me onde é o Snoopy Hebdo, temos um trabalhito para fazer lá” o transeunte, meio desconfiado com aquela indumentária, lá explicou o caminho. Estranhou mas ficou a pensar que talvez fossem fazer de modelos para os desenhadores, aquela malta passava a vida a fazer uns desenhos de gente estranha.

Finalmente no caminho certo, lá chegaram os manos ao destino, nem tinha corrido mal, afinal tinha sido apenas um pequeno erro no plano elaborado profissionalmente. Ainda não tinham acabado de pensar isto quando de repente dão de caras com a porta do Snoopy Hebdo. Desta vez é Gervásio que perde a calma e grita como uma histérica “MERDEEEEE… Fils de pute! Mas então estes infidèles têm uma porte renforcée e com code? E agora o que faire?”

A profissional planificação estava a correr mal. Tiveram um momento de sorte, uma jornalista do Snoopy Hebdo tinha ido buscar a filha à escola (tão cedo?) e estava a regressar com ela para a redacção. “Ahhh fantastique!” disse Ambrósio “ora faça lá o favor de ouvrir la porte para não nos chatearmos!”

Finalmente, objectivo atingido, chacina executada, doze mortos! As virgens estão cada vez mais próximas!

Para fazer o gosto ao dedo ainda deram um tiro num policia mas como ele não colaborou e não morreu à primeira deram-lhe mais um tiro segurando a arma de forma atabalhoada, atendendo ao seu grande treino militar. Gervásio levanta a mão esquerda com o indicador esticado, queria certamente fazer o sinal de “Deus há só um” mas enganou-se, usou a mão de limpar o cu e não a mão de louvar Deus. Há quem diga que usou o sinal da forças especiais para reagrupar, estranho eles já estavam reagrupados, eram só dois e já estavam junto ao carro.

Tudo bem planeado, tinham roubado um carro para se deslocarem, não ficava bem um terrorista andar a comprar bilhete nos transportes públicos. Lá foram andando mas acharam por bem trocar de carro e, como tinham planeado, nada melhor que recorrer à táctica do carjacking para dar mais entusiasmo à coisa, isso de terem outro carro já preparado não tinha piada nenhuma.

Ambrósio aprendeu desde cedo que não devia sair de casa sem identificação, nunca se sabe se nos mandam parar numa operação stop ou se somos apanhados numa rusga e depois é uma maçada não ter identificação. Cuidadosamente, quando vestiu o equipamento militar, colocou no bolso o seu bilhete de identidade. Pouca sorte, quando trocaram de carro caiu-lhe do bolso.

Ainda o fumo da pólvora não tinha desaparecido e já a policia dizia que eram 3 os terroristas, o Gervásio, o Ambrósio e o Manelito. O Manelito seria na teoria da policia o motorista! Quem os mandou falar antes de verem os vídeos do youtube? Motorista só se conduzisse dentro da bagageira! Manelito lá se safou, explicou que estava longe e tinha testemunhas. Assunto arrumado, ninguém fala mais nisso, afinal foi apenas um pequeno desvio no guião.

Na fuga, planeada ao milímetro como militares com grande formação, foram dar a um gráfica isolada e sem hipótese de fuga, estiveram 7 horas na gráfica e, não conseguiram descobrir que tinham um refém. Saíram de lá a disparar em direcção à policia. Foram enviados em direcção às 72 virgens!

Ah ah ah ah!!! A surpresa que vão ter quando lá chegarem e descobrirem que afinal não há virgens!

Chega ao fim o primeiro capitulo deste texto de ficção. O segundo capitulo ainda está por escrever, mas tendo em consideração como se desenvolveu o primeiro e a forma pouco responsável como tudo isto foi conduzido, quer pelas autoridades, pelo menos desde Dezembro, quer pelos próprios criminosos que de profissional nada tinham. Acrescentando ainda o enorme esforço de todos para fazer passar a imagem de que estes dois débeis mentais eram militares de elite, desconfio que o segundo capitulo vai ser sobre uma nova coligação que vai declarar guerra a alguém para tomar conta de mais uns poços de petróleo.

Afinal, faz falta encontrar uma forma de fazer subir o preço do petróleo!

Os bons morreram, os maus também! Quem ganhará com esta estupidez?

(Este texto é ficção, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência!)

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