As relações económicas entre a China e Angola estão a impedir o combate ao tráfico ilegal de marfim, considera um investigador norte-americano da Born Free Foundation, acusando as autoridades angolanas de nada fazerem porque querem “atrair os consumidores, que são 95% chineses”, revelando o caso em declarações citadas pela agência de informação económica Bloomberg, sem citar o nome do especialista.
Entretanto, o responsável pelo departamento de biodiversidade e conservação no Ministério do Ambiente angolano, Soke Kudikuenda, confessa burocraticamente que: «temos algumas divergências internas sobre quem deve ser responsável por monitorizar e avaliar este tipo de comércio ilegal», e acrescenta sem se rir: «é o Conselho de Ministros que deve determinar se este tema deve estar sob a alçada deste ministério ou sob a alçada do Ministério da Agricultura». Enquanto isso não se decide, coisa que já dura há anos… os elefantes vão desaparecendo, temendo-se pela sua extinção total. Afinal, o negócio só trocou de mãos: antes eram os generais da UNITA acusados de traficarem o marfim com os intermediários sul-africanos, e hoje são os generais do MPLA que conduzem o tráfico intermediado por chineses.
Seguramente que o funcionário está a viver noutro planeta, já que são os generais envolvidos no negócio organizado do abate dos elefantes com armas de guerra que obtêm os fabulosos lucros da matança, e com eles ninguém do Ambiente e da Agricultura se mete pelo meio.
Por exemplo, o mercado de Benfica nos arredores de Luanda, é o segundo maior mercado a céu aberto para o comércio ilegal de marfim a seguir ao mercado de Lekki em Lagos, na Nigéria, sendo que os dois países têm, no total, menos de 3 mil elefantes, tal tem sido a carnificina. Mas ninguém vai lá e acaba com o negócio, à vista de todos.
Em Angola existem mais de 250 mil chineses a trabalhar no país, principalmente nas grandes construções que os chineses levam a cabo em Angola. São os chineses que compram no mercado de Benfica o marfim a 150 a 200 dólares por kilo, enquanto o preço em Pequim ultrapassa os 2.600 dólares por kilo (ler mais aqui).
Lembro-me de há duas décadas, ainda eu vivia em Luanda, levar ao pescoço preso por um fio de prata uma peça minúscula que representava uma mão com o punho fechado, de marfim, feito por um artesão na sua oficina da Ilha e que usava há muito tempo, quando num certo dia ao embarcar no aeroporto de Luanda para Paris, me impediram de a levar. Creio que se tivesse metido na mala não dariam por isso, mas como não tinha nada a esconder e até a usava diariamente à vista, o muito zeloso funcionário alegou que era proibido. Tudo bem, mas é então caso para perguntar como é que agora cada um dos chineses não está impedido de sair do país com dezenas de kilos de marfim nas suas bagagens. E quando o peso é muito superior embarcam clandestinamente em contentores das empresas chinesas presentes em Angola nos navios de pavilhão chinês que aportam em Luanda – que não são vistoriados pela Alfândega, ou se forem, os funcionários são corrompidos para “não verem” nada.
Seria muito fácil fechar o mercado de Luanda, até porque a legislação que proíbe o tráfico e comércio ilegal existe mas está só no papel, e o negócio continua e é público porque eles querem atrair os consumidores intermediários, que são esmagadoramente chineses. Porque se finge não saber disto ? É porque a cadeia organizada do tráfico – desde a matança dos elefantes para retirar as presas, o transporte delas para Luanda em camiões do exército, a venda no mercado de Benfica – está nas mãos de alguns generais ? A quem não interessa querer saber do que se passa ? E porquê ?
Por Telmo Vaz Pereira
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