Nu sta djuntu
Os poços e as portas
Vim de uma festa. Festa de tribo. Ultimamente vivo em festa, julgo que empurrada pelos ensinamentos dos meus ancestrais. Dor e cura num mesmo círculo infinito.
À volta do fogo africano, no meio de conversa superior da música, da dança e da melhor comida – uma cachupa preparada pela Cláudia Simões, a mulher abalroada e destratada de forma que nenhum humano merece, nem conta ser alvo na vida que tem para experimentar, pela razão da filha de dez anos não ter passe social e claro ser preta ( lembram-se? aconteceu na Amadora, o processo decorre e todos sabemos que se fosse branca o motorista tê-la-ia deixado passar) – reunia-se um arco-íris de gente africana – luso descendente em celebração da vida.
Cuidavam-se uns dos outros da única forma que dá sentido às relações – a ternura e o amor. Porque nós estamos juntos.
Numa luta comum. O racismo e a discriminação continuam a ser um prato que nos é servido porque o assunto ainda não foi desmantelado nem descontruído.
Lembrei-me da história da humanidade. Não a esqueçamos. Ela é pintada de portas e poços, como diz um chefe índio. Ou caminhamos e entramos seguindo a luminosidade ou caímos no breu profundo.
Terei tempo de sobra quando morrer para não usar a arte de ser humana. Nesta vida conto ser uma artivista da vida em cores que abrem portas.
O planeta foi descoberto pela migração humana, por refugiados, por gente que morreu no caminho, por gente que sobreviveu ao destino. Por gente que em si guardava a arte da poesia, do amor, da alegria, da celebração da vida. Por gente em busca de liberdade em jeito de vida.
Vindos de um continente de anca larga, boca manga laranja- doce, peito generoso de colostro, olhos melanina, perna torneada feminina, substantivo substancial do verbo nascer e de verdadeira riqueza, onde a história dos humanos começou e se transformou em saco de porrada, de gente que tudo aceita, por gente da igreja e da política, por loucos psicopatas, vindos da esquerda e da direita.
Lembremo-nos da sabedoria índia e africana, povos exterminados que nunca deixaram exterminar o seu culto da arte do amor e da alegria, do canto e da dança. Da celebração da vida. Não em rabiscos por muros de redes sociais quantas vezes mostrando sorrisos fingidos, desenhados em olhares profundamente tristes, ou por momentos invejosos ou ácidos, mas em verdadeiras celebrações de vivos para vivos, no meio de tantos mortos – alguns ainda que vivos – por causa da existência de um nano-ser invisível condutor a um poço profundo.
Ontem vi os olhares de prazer, na festa de gente que não abdica da arte de viver, nem que os queiram exterminar, numa porta escancarada, profundamente espiritual.
Estive num poema onde se escreveu amor e alegria pelo simples prazer de cada um cuidar de si para poder cuidar do outro. Eu fui lá por essas razões. Fiz novos velhos amigos. De gente que sente.
Cuidar de mim com o outro e de cada um através de mim. Ubuntu – eu sou porque nós somos.
Não restam lugares por descobrir, restam-nos estes cantos aos quais chamamos países, que somos nós, feitos de nós, por nós, para todos nós, sem erguer muros nem arames, deixando para trás racistas, imperadores de guerras talibãs sem nacionalidade e divisionistas sem arte que nos conduzem ao poço, trocando-os por casulos de borboletas que se desprendem, formando belas crisálidas, com uma arte em comum – transformar a arte da vida, na arte da metamorfose.
Ali estava presente a ancestralidade da humanidade flutuando no fogo, criando a arte dos encontros rumo a portas. Nós de pés descalços, mãos abertas viradas para o outro, com amor, a arte que salva a vida.
É com eles que irei conversar em breve sobre estes assuntos que nos tocam, no programa aberto, no canal youtube do Lado Negro da Força, dia 29 de Setembro às 21:00. Estão todos convidados.
Obrigada ao lado Negro da Força. Nu sta djuntu.–
Anabela Ferreira
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