O país está melhor? Não, o país está muito pior (por Estátua de Sal*)

acosta2Estamos nos finais de Fevereiro. O tempo passa depressa. As notícias sucedem-se, qual caleidoscópio cujas cores por vezes nos encandeiam. Sobre as notícias que vão perpassando erige-se normalmente um tema qualquer que domina todos os outros e se torna quase viral no séquito dos comentadores de serviço, nas redes sociais, na comunicação social.

O tema dominante do momento são as afirmações recentes de António Costa, retiradas de uma comunicação pública a empresários chineses, tidos como potenciais investidores.

A direita embandeirou em arco, retirando das afirmações produzidas, a interpretação que o líder socialista subscreve a tese, cara ao Governo, de que o País está melhor hoje do que estava em 2011, na altura em que o Governo de Passos tomou posse.

Costa, veio posteriormente, mostrar perplexidade perante o rumor originado pela interpretação feita das suas palavras, e demarcar-se dessa mesma interpretação.

Tenho tentado fazer uma análise objetiva, e comparativa, de quais os argumentos que o governo costuma utilizar para dizer que o país está melhor. Tenho ouvido declarações. Tenho tomado apontamentos. Tenho-me questionado. Vejamos.

Diz o Governo que o PIB é mais elevado e que houve crescimento da economia? Não, não são tão lunáticos; apenas diz o PIB caiu muito mas já está a subir. Diz o governo que há menos pobres e menos desemprego? Não, só diz que o número de pobres e de desempregados aumentou mas já está a diminuir. Diz o Governo que os impostos são mais baixos? Não, diz que são mais altos mas que promete baixá-los, não se sabe bem quando. Diz o Governo que a saúde, a educação, os serviços públicos, o investimento, estão melhores? Não, diz que não estão mas que ninguém faria melhor nas mesmas circunstâncias. Diz o Governo que a dívida pública está mais baixa, ou pelo menos numa trajetória descendente? Não, não pode dizê-lo porque é falso, e os números dos institutos de estatística nacionais e comunitários são indesmentíveis.

Perante isto, como é possível dizer que o país está melhor? Ou eu sou distraído ou sou destituído, e só consigo encontrar um argumento: dizem que o país está melhor porque o país se pode endividar com juros mais baixos, estando portanto afastado o perigo de incumprimento ao nível do serviço da dívida. Isto é, aquilo que aconteceu em 2011, foi que o país só podia endividar-se nos mercados financeiros a taxas de juro proibitivas, apesar da dívida pública ser muito inferior ao seu valor atual. Logo, aquilo que foi feito durante quatro anos foi apenas “comprar” tempo para se poder chegar a 2015 beneficiando das alterações entretanto ocorridas no mundo, mormente nos mercados financeiros, e na Europa, alterações que tem levado a que os países do Sul da Europa, se possam endividar a taxas de juro muito mais baixas. Convém dizer que a taxa de juro atual da dívida pública grega, apesar da situação recente de incerteza, quanto ao resultado final das suas negociações com a Europa, também baixou: está em 9,5%, quando em 2012 chegou a atingir valores à volta dos 15%.

Mas o facto de o custo de financiar dívidas ser mais baixo é suficiente para dizer que o país está melhor? O país estaria melhor se a dívida fosse menor, se o PIB fosse mais alto, se o nível de vida tivesse aumentado. Mas nada disso ocorreu, como o próprio governo reconhece.

A questão da dívida pública, do seu montante, da forma de a financiar, da forma de a pagar e das constrições que daí decorrem e que são impostas aos países na zona Euro, contextualizam todas as opções ao nível da política interna dos países, E, como se está a ver com o exemplo grego, acaba por inquinar toda a expressão democrática dos eleitorados.

O problema é que, os países aderiram a uma moeda única, perderam soberania com tal adesão, e está-se a concluir que, de forma indireta e em consequência, são também obrigados a aderir a uma linha política única, obviamente determinada pelos países de maior poderio económico, mormente da Alemanha. Mas se a moeda única nem sequer foi referendada pelos eleitorados, muito menos o foi a adesão às diretivas de política única que derivam das constrições de gestão orçamental e de condução do ciclo económico que são impostas de forma unívoca e inquestionável.

É neste contexto que a arquitetura do Euro colide necessariamente com os regimes democráticos e com os resultados eleitorais que deles possam dimanar, no momento em que sejam desviantes relativamente à matriz da política económica que, em cada momento, é dominante. ´

É este o dilema dos partidos socialistas e sociais-democratas. Não podem prometer melhor saúde, melhor educação, mais investimento público, mais crescimento da economia, porque todas estas propostas colidem com a política única de austeridade que dimana de Berlim. Assim, nada tem a oferecer aos eleitores que os seus émulos à direita não possam oferecer. Porque não podem questionar a política do Euro, a nível europeu sem, no limite, terem a coragem de propor aos eleitores o abandono do mesmo, caso as suas exigências não sejam aceites. E é neste contexto, e por isto mesmo, que a contestação cresce, e a expressão eleitoral dos extremos aumenta de forma significativa.

Voltando atrás. É este, também, o dilema de António Costa e que o tem levado a ser tão elíptico nas suas declarações. Para investidor chinês ouvir, o país está melhor porque não corre o risco de incumprir, no curto prazo, as suas obrigações com os credores, sendo este apenas, como vimos, o único argumento em que o governo fundamenta a bondade das políticas de devastação a que nos sujeitou.

Claro que o país, em todos os outros domínios, naqueles que contam para a vida da maioria dos portugueses, o país está a desagregar-se lentamente sem que o ritmo destas polémicas possa retardar, sequer, tão inexorável processo. Ele são as escolas onde chove, sem obras, alunos em protesto e em manifestações. São os bombeiros na rua, a alertar para o risco de catástrofes iminentes a que não poderão dar resposta consentânea por falta de meios. São as escolas que não recebem os subsídios contratados com o Estado a tempo e horas. São os clientes do BES burlados com a compra de papel comercial, em manifestações, a quem o Estado pela voz de Cavaco e Passos incentivou a comprar gato por lebre, estando hoje mais que provado que sabiam da situação calamitosa em que se encontrava o banco. É a Procuradora Geral da República a dizer-nos que existe uma rede de corrupção instalada no Estado (?) e que o Ministério Público não investiga e deixa prescrever processos por falta de meios. São as fugas constantes ao segredo de Justiça no caso Sócrates, pasto para os pasquins de serviço, mais as acusações que foram feitas, e não desmentidas, pela advogada de Carlos Santos Silva e que demonstram que o Estado de Direito fenece, coxeia e que a Justiça começa a ser o reino do atrabiliário e da incerteza de direitos. São os desempregados sem subsídios, são as cantinas sociais. São os jovens que emigram depois de termos gasto milhares de euros com a sua formação. São as crianças com fome.

Mas nenhuma destas anomalias, destas perversões, pode ser, em consciência sanada e corrigida sem que existam meios que o Estado não possui, e que nem sequer pode pedir emprestado (apesar das baixas taxas de juro atuais) porque a política única da União Europeia não permite a implementação de medidas que as combatam. Estamos destinados a empobrecer ainda mais se continuarmos a aceitar os ditames da política única que nos é imposta.

E qualquer agente político que se pretenda alcandorar ao poder, como António Costa, deve esclarecer quanto antes qual a forma que defende e propõe para se opor ao processo de desagregação e de empobrecimento que está em curso em Portugal, em Portugal que afinal está muito, mas muito pior.

E como qualquer proposta séria e exequível nesse sentido vai colidir com os ditames alemães da política única, sendo dificilmente aceite como se prova pelo exemplo grego, deve também esclarecer que alternativa apresenta ao país no caso de uma recusa provável por parte da Europa, de nos permitir parar com este processo de pauperização.

(*) Nota da Redacção: Estátua de Sal é pseudónimo dum professor universitário devidamente reconhecido pelo Noticias Online.

Um comentário a “O país está melhor? Não, o país está muito pior (por Estátua de Sal*)”

  1. Virgílio A. P. Machado diz:

    Meu caro,

    Já uma vez manifestei o meu desagrado pelas opiniões de um professor universitário que, para maior opróbrio da classe e da instituição a que pertence, escreve sob o pseudónimo de «Estátua de Sal» ( https://www.facebook.com/…/permalink/753626254727650/… ). O «Notícias online» gosta do que ele escreve e a Luísa Silva gosta de o divulgar no «Ocupar Portugal» ( https://www.facebook.com/groups/OcuparPortugal/search/… ). Gostos não se discutem. Já o que o/a «Estátua» escreve é mais uma triste manifestação d«o estado a que chegámos». Do estado a que chegaram os professores universitários, cada vez com menos classe, das chamadas universidades portuguesas, públicas ou privadas e dos politécnicos, de que há notícias recentes. À «Estátua», nem o «caleidoscópio cujas cores por vezes nos encandeiam» lhe valem.

    Saiu-se bem ao questionar as razões, objectivas, para escrever que o país está pior e se está a desagregar («lentamente»?), mas perdeu-se levado pelo seu desamor pelo euro e a União Europeia, que identifica como a raiz e fonte de todos os males. Inquinar não é propriamente o mesmo que contextualizar. A obrigação de «aderir a uma linha política única» é imposta aos países cujos governos os põem a jeito. Quais? Os «PIGS». Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, aos quais se parece juntar cada vez mais a França, para não destoar ao desdém Luterano. Os treze restantes (mais do dobro), mais quatro cidades estado e dois «voluntários» lá continuam a tratar da sua vidinha o melhor que podem e sabem.

    Afirmar que «a moeda única nem sequer foi referendada pelos eleitorados» é uma ardilosa meia verdade. Efectivamente, a Dinamarca e a Suécia não pertencem à zona euro por essa adesão ter sido rejeitada em referendos realizados em 2000 e 2003, respectivamente. Outros referendos levaram à adesão dos respectivos países. Curta é a memória dos homens e maior a cegueira dos que não querem ver ou não se querem dar ao pequeno trabalho de verificar aquilo que escrevem. Daqui em diante o descalabro é total.

    É falso que «a arquitectura do Euro colide necessariamente com os regimes democráticos e com os resultados eleitorais que deles possam dimanar», mesmo considerando o fraco qualificativo que se segue.

    É falso que este seja «o dilema dos partidos socialistas e sociais-democratas.»

    É falso que «Não podem prometer melhor saúde, melhor educação, mais investimento público, mais crescimento da economia».

    É falso que «todas estas propostas colidem com a política única de austeridade que dimana de Berlim.»

    É falso que «nada têm a oferecer aos eleitores que os seus émulos à direita não possam oferecer.»

    É falso que «não podem questionar a política do Euro, a nível europeu», porque, obviamente, podem fazê-lo a qualquer nível.

    É falso que «no limite, [tenham que ter] a coragem de propor aos eleitores o abandono do [euro], caso as suas exigências não sejam aceites.»

    É falso que seja «por isto mesmo, que a contestação cresce, e a expressão eleitoral dos extremos aumenta de forma significativa.»

    É falso que esse seja «também, o dilema de António Costa».

    É falso que essa seja a razão «que o tem levado a ser tão elíptico nas suas declarações.»

    É falso que «nenhuma destas anomalias, destas perversões, po[ssa] ser, em consciência sanada e corrigida».

    É falso que o Estado não possua meios para as sanar e corrigir. O que não existe é vontade política.

    É falso que o Estado não possa «pedir emprestado».

    É falso que «a política única da União Europeia não permite a implementação de medidas que as combatam.»

    É falso que «Estamos destinados a empobrecer ainda mais se continuarmos a aceitar os ditames da política única que nos é imposta.»

    É falso que «qualquer proposta séria e exequível nesse sentido vai colidir com os ditames alemães da política única».

    É falso que «qualquer proposta séria e exequível» seja «dificilmente aceite».

    É falso que tal seja provado «pelo exemplo grego».

    É falso que haja «uma recusa provável por parte da Europa».

    É falso que a Europa ou quem quer que seja, para além de nós próprios, nos tenha que «permitir parar com este processo de pauperização.

    Leiam, adiram e participem no grupo e página associada «O Escolhido» ( https://www.facebook.com/groups/OCandidatoEscolhido/ e https://www.facebook.com/pages/O-Escolhido/647906408636897 ) para construirem outras respostas.

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