O relógio não pára e há vidas em jogo

Hoje venho defender lados e relatar acontecimentos. O relógio não pára e há vidas em jogo. São nessas que penso.

O que aconteceu ontem em Bruxelas reavivou a memória do medo que senti nas entranhas, por ter estado no olho do furacão de um ataque terrorista praticado por grupos extremistas, do daesh, na mesma cidade. Ouvia e ouço – como quase todos nós – falar nos ataques, noutros lugares, mas a distância não nos coloca de frente, no centro do acontecimento. A diferença reside nesse centro.

Deixem-me confessar primeiro que o terrorismo hoje já não é o que era. Como foram terroristas Amílcar Cabral, Biko, e Nelson Mandela por exemplo, em nome da libertação dos seus povos.

O Hamas não é o povo da Palestina nem luta pela sobrevivência deste povo no território que pertence ao povo Palestino. O alimento é outro.

Hoje sabemos as ligações obscenas, a ascendência, o nascimento, de onde lhes vem o dinheiro, e os interesses obscuros que os envolve. Será que querem saber do povo Palestino? Deixo a resposta no ar. Hoje têm uma máquina por trás, e é ela que gira e faz girar opiniões, sentimentos e emoções.

Enquanto os militantes terroristas provavelmente cheios de drogas até à medula – para cometerem de coração leve acções atrozes – são atirados para a prática destes actos, os seus dirigentes e familiares vivem vidas de luxo, privilegiadas e protegidas, sem sombra de medo de nenhum ataque contra as suas vidas.

Vivemos num filme com múltiplos efeitos especiais. Foram dois os momentos de terror (em particular) os que vivi em Bruxelas, praticados por grupos desta ultima categoria de terroristas. Durante os quais graças a reflexos rápidos, por necessidade de me esconder para salvar a vida, percebi apenas num átomo fraccionado de tempo o significado deste tipo de medo e ameaça.

Foi um momento que durou pouco, contudo pareceu infinito. O que se sente é eterno. Não apenas enquanto dura. Fica para sempre. Escondido numa gaveta do sótão, num canto empoeirado da memória.

Garanto que não desaparece. O que acontece no peito é inexplicavelmente poderoso, quando acções bárbaras que ameaçam a vida acendem o gatilho da memória.

Num dos momentos vi nestes grupos sanguinários o ódio nas palavras, nos gestos e por um segundo, nos rostos. Não é possível descrever o salto parado que acontece no centro do peito.

A escolha de um movimento acontece em câmara lenta aparente, enquanto a uma velocidade supersónica se desenrolam os acontecimentos.

No outro lado dos terroristas de hoje vejo a imposição do terror em fatos e gravatas vestindo rostos impassíveis, que não provocam terror porém não querem a paz. Muito menos oferecem o corpo à morte. Ficam-se também nos luxos, protegidos pelo ar condicionado.

Querem lá saber dos povos sobre quem fazem terror de Estado, com outras armas.

A mesma moeda com duas faces. Ambas se alimentam de destruição. São máquinas de mentira e manipulação. Máquinas que nos sugam para dentro de um vórtex onde somos triturados.

No momento de um ataque nenhum terrorista hesita em fazer o que lhe apetecer. Do acto tira prazer. Fazer correr sangue venha de uma faca, de uma uzi ou de um míssil.

O meu cérebro disse-mo num nano segundo “esconde-te”. Devo talvez à boa sorte o facto de ter escapado. Mas não escapei ao sentimento. Nem ao terror. Imaginem as vidas destes povos debaixo de constante aperto no peito…

O que acontece no peito é inexplicavelmente poderoso, quando acções bárbaras que ameaçam a vida acendem o gatilho da memória. Ela nunca se perde, mantendo a vividez dos momentos. É comum a todas as pessoas que já foram vítimas de algo semelhante.

No tabuleiro de hoje jogam-se tácticas, diplomacias, e estratégias de guerra. A nossa fragilidade, a nossa vulnerabilidade é apenas um gesto de encolher de ombros para quem se movimenta no tabuleiro. As cadeiras contudo estão vazias. Não há interessados na escolha por vidas.

Assim chego ao final do relato.

Num dia muito frio, encontrei na poesia um cobertor

De tão pouco o usarmos, gastámos o amor

Nesta era de choque de civilizações

que a todos provoca desgosto e repulsa

entre barbárie ao estilo daesh

e bestialidade em nome de um qualquer estado

sento-me num cemitério de pedras atapetado

silenciosas

lugar de espíritos em paz eterna

onde eu busco a paz terrena

na mente sentam-se comigo as palavras

“olho por olho, dente por dente

até ficarmos todos cegos”

suspendamos por um instante

as nossas vidas, a nossa fé

antes de matarmos mais uma criança

de violarmos mais uma mulher

de odiarmos os nossos filhos

que nas guerras morrem

em nome de uma bandeira, um hino, uma crença

agora! parem!

no silêncio das pedras que adornam o cemitério

contra todos os terrorismos

e os terroristas de todos as terras

escolho a jihad

contra a barbárie e a bestialidade

dos que roubam a humanidade à humanidade

outras palavras se encostam nas anteriores

“sem música a vida seria um erro”,

sem amor e sem paz

a vida é uma melodia desafinada

em busca de conforto

num poema mal amanhado

Anabela Ferreira

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