Nos últimos anos, assistimos a uma agudização de diversas situações no setor da saúde reveladoras de que o Governo continua sem dispor de qualquer abordagem programática para a dinamização do SNS.
A trajetória da direção política do PS e do próprio Governo tem sido de crescentes cedências às pressões dos setores mais neoliberais do panorama nacional e da UE, abdicando sempre de uma intervenção para reanimar o SNS.
Fruto de sucessivas políticas governamentais, o SNS tem sido alvo de brutais desinvestimentos e de práticas gestionárias desastrosas que têm visado pura e simplesmente favorecer o crescimento das entidades privadas do setor.
Uma das mais recentes cedências a essas pressões dos setores neoliberais foi a criação de uma direção executiva do SNS e da figura do chamado “CEO”.
Esta medida constitui uma cópia do modelo operacional thatcheriano que procedeu ao desmantelamento mais acelerado do NHS britânico.
Naquele país, concretamente na Inglaterra, foi criado o NHS England com uma estrutura executiva e um CEO, que se estabeleceu como a entidade responsável pela gestão e liderança de todo o NHS em Inglaterra, desempenhando uma função decisiva na implementação de medidas políticas privatizadoras desse serviço público.
Até há cerca de 4 anos, o CEO era Simon Stevens que foi durante mais de uma década dirigente da maior multinacional americana de saúde, a HMO UnitedHealth Group, sendo seu vice-presidente executivo.
Lord David Prior, chair do NHS England, desempenhou vários cargos dirigentes na Lehman Brothers, o gigante banco de investimentos sedeado em Nova Iorque que constituiu a maior falência da história americana.
David Roberts, vice-chair, que desempenhou cargos de relevo no Lloyds Banking Group e no Barclays.
Já no decurso do ano passado foram efetuadas novas nomeações nesta entidade, podendo verificar-se o aprofundamento da sua captura por pessoas ligadas a poderosos meios de negócios privados.
No site NHS 75 England, na base das declarações de interesses podemos verificar que, a título de exemplo, no NHS Executive Group estão elementos com ligações anteriores ao HSBC (Julian Kelly), aos JP Morgan , Barclays e Merril Lynch (Jacqui Rock).
No NHS England Board, constituído por administradores não executivos que mantêm as funções privadas como é o caso do seu presidente, Richard Meddings, que é o diretor do conselho do grupo Credit Suisse e já foi presidente do TSB Bank.
Mike Coupé é presidente da Oak Furniture Ltd Harding Retail Group e New Look.
Outro dos membros, Susan Kilsby além das suas ligações anteriores à Goldman Sachs International, ao grupo americano de bebidas e cafés Keurig Green Mountain , a empresas farmacêuticas multinacionais, é atualmente diretora não executiva da Unilever e da BHP (na área energética) e directora da Diageo que é o maior fabricante multinacional de bebidas alcoólicas.
Jeremy Townsend foi diretor financeiro da Rentokil Initial e da Mitchels and Butters (grupo económico com mais de 1700 restaurantes e pubs no Reino Unido), bem como exerceu funções na Ernst and Young, sendo actualmente director da PZ Cussons ( artigos de higiene para crianças) e administrador da Parkrun Global.
Estes são alguns exemplos muito elucidativos.
No entanto, podem alguns argumentar que por cá a composição da Direção Executiva não chega a tanto, mas o modelo em si já está implementado e com essa “porta” aberta tudo pode vir a acontecer no futuro consoante as políticas governamentais que vierem a ser definidas.
Tendo na altura sido apresentada a Comissão Executiva quase como a formula salvadora de tudo o que corria mal na saúde, o que se tem observado nestes 10 meses da sua atividade é que o seu papel não tem passado de um “peso morto” , atrapalhando mais do que resolvendo.
Se um dos propósitos da sua criação era proteger o titular do Ministério da Saúde nas polémicas e na assunção de responsabilidades políticas, aquilo que se tem visto é que se o titular ministerial não estiver muito atento terá no CEO o sujeito que lhe colocará a corda ao pescoço para ser levado ao cadafalso do fracasso político.
Por outro lado, foi tomada a decisão de generalizar as ULS (Unidades Locais de Saúde) a todo o território continental, sem nunca ter sido realizado qualquer estudo sobre as virtualidades das ULS que têm funcionado até este momento.
As atuais ULS têm manifestado vantagens em que domínios do funcionamento dos serviços de saúde numa dada região? Têm resolvido as acessibilidades à prestação dos cuidados de saúde? Eliminaram as listas de espera? Dispõem de urgências hospitalares com menos doentes porque resolveram a montante os problemas de saúde que não exigiam observação em meio hospitalar?
Era crucial ter todas essas supostas virtualidades devidamente caracterizadas e provadas.
Mas a decisão governamental foi generalizar um modelo que nunca foi objeto de uma avaliação criteriosa.
A situação laboral no seio dos serviços públicos de saúde tem vindo, como era inevitável, a agravar-se e a atingir níveis extremamente preocupantes.
A posição do Governo tem sido deplorável porque não só não mostra qualquer sensibilidade para os problemas dos profissionais de saúde como adota uma atitude de hostilidade paranoica à negociação sindical.
Pior que os anteriores governos de direita, a direção do PS e o Governo parecem apostados em descredibilizar as organizações sindicais e de criar condições para a sua desarticulação, numa atitude claramente inserida no arsenal político-ideológico dos catecismos do neoliberalismo mais fundamentalista.
Com esta hostilidade iníqua, levou à criação de vários sindicatos nos enfermeiros e nos professores, por exemplo, possibilitando que grupos inorgânicos e vocacionados para a exclusiva agitação social, possam emergir e criar organizações pretensamente sindicais.
Os recursos humanos são sempre o fator crítico do SNS e quando os problemas deles se acumulam isso só demonstra que os próprios serviços de saúde estão em crise e sem capacidade para assegurar a sua missão social e humana.
O comportamento político do Primeiro -Ministro tem sido inqualificável ao chamar cobardes aos médicos há cerca de três anos, em plena pandemia, e mais recentemente ao afirmar que os seus problemas não estavam nas prioridades do Governo.
Pior era difícil.
Esta hostilidade às organizações sindicais e aos princípios da negociação irão conduzir a um crescente descontentamento político e social que só irá favorecer o crescimento da extrema-direita e das forças adversas às políticas sociais.
Esta fatura vai ser muito pesada para o PS e, o que é pior, para o próprio regime democrático.
O SNS necessita com toda a urgência de um conjunto de medidas globais devidamente articuladas para o poder salvar dos “predadores” que por aí andam sedentos dos dinheiros públicos para melhor viabilizar os negócios de grandes entidades privadas.
A atual equipa do Ministério da Saúde possui claras afinidades políticas com o SNS e dispõe de potencial técnico e de conhecimento dos serviços de saúde que lhe possibilitaria desempenhar esse papel de revitalização desse serviço público tão vital para a nossa coesão social.
Para isso, não pode continuar a ser encarado pela chefia do governo como uma mera subsecretaria de estado do Ministério das Finanças e tem de rapidamente fazer da negociação um processo transparente para a rápida superação dos problemas existentes que ameaçam a viabilidade efetiva do SNS.
Negociar e dialogar sempre foi um elementar ato de inteligência.
E já não há tempo para improvisações. O tempo para salvar o SNS está a esgotar-se!
Houve uma altura em que um primeiro- ministro afirmava que raramente lia jornais, que nunca tinha dúvidas e que raramente se enganava.
Será que o atual primeiro-ministro também não costuma ler jornais e nem sabe o que se passa por essa Europa?
Será que pretende reeditar o caminho dramático do PASOK na Grécia e do Partido Socialista Francês que desapareceram do panorama político dos respetivos países fruto de colossais erros nos vários domínios da governação?
Basta olhar agora para o que se está a passar nesses países no que se refere às permanentes convulsões sociais, bem como à destruição acelerada dos direitos sociais, políticos e laborais para termos uma ideia precisa das consequências catastróficas de algumas alucinações governativas.
Aguardemos pelas cenas dos próximos capítulos sobre as prioridades governamentais.
Mário Jorge Neves, médico.
Estou solidário na defesa do SNS contra este ministério ,que subverteu tudo e incoerentemente me desiludiu ….cheguei a acreditar na bondade ..
Neste momento crucial na defesa intransigente do nosso SNS ,e importante estarmos todos juntos .
O SNS e a espinha dorsal de Portugal…como sempre dissemos ,e a nossa bandeira ..e temos que lutar contra quem o quer destruir paulatinamente ,incoerentemente a favor da desigualdade ,do neo liberalismo e de um SNS para os tais indigentes . Uma realidade existente antes do 25 de abril….recordo me bem ..uma grande desilusão minha neste processo ,onde acreditei na equipa ministerial ..
MQI
Excelente análise a tua.
Este Primeiro Ministro e com ele o Partido que dirige está a levar-nos para “falência” …Olhamos à nossa volta e tudo está a piorar… e não só o ambiente climático, mas também tudo o mais … e que nos leva a desejar “mudança”…porém há que, antes do mais, travar o avanço da direita mais reaccionária…UM ABRAÇÃO do Sá Leão