É verdadeiramente inacreditável o estado a que Portugal chegou, no que respeita à grosseira incompetência de quem governa ou se propõe governar. É verdadeiramente lastimoso termos um Presidente da República que ignora princípios absolutamente básicos da nossa Constituição Fiscal. E é verdadeiramente assustador que tenhamos um Tribunal Constitucional que não faz melhor do que uns, nem do que o outro.
A Lei do Enquadramento Orçamental, consagra o princípio da não consignação de receitas (art. 7.º/1), proibindo a afectação do produto de quaisquer receitas à cobertura de despesas pré-determinadas. Decorre deste princípio que “as diversas receitas orçamentais devem fundir-se numa massa única de recursos que, sem qualquer distinção, serve para financiar o conjunto das despesas inscritas no orçamento”. Este princípio, assume relevo constitucional, na medida em que “ a cedência à consignação de receitas, com ligação de vários impostos a despesas específicas, acabaria por levar a que, tendencialmente, grupos particulares de contribuintes financiassem determinadas categorias de despesas” , o que choca com valores e princípios constitucionais que informam o Estado de direito democrático, como sejam a democracia económica, social e cultural, a universalidade, a igualdade, a capacidade contributiva, a coerência e a racionalidade.
Um dos casos em que a Lei do Enquadramento Orçamental admite a consignação, é o das receitas afectas ao financiamento da segurança social e dos seus diferentes subsistemas, nos termos legais (art.º 7º / 1/ al. c)). Esta, sem embargo, é norma excepcional, sempre sujeita a interpretação restritiva. O espírito da norma excepcional, é o de admitir que os cidadãos no activo, através de contribuições especialmente criadas para esse efeito, financiem o sistema e os diversos subsistemas de segurança social, atendendo à previsível hipótese de beneficiarem, eles próprios, da protecção desses sistemas e subsistemas quando estiverem em situação de reforma ou aposentação. Ou seja, a Lei do Enquadramento Orçamental não admite a consignação da receita de quaisquer impostos ao financiamento da segurança social, permitindo-a quando seja estabelecido um nexo contribuinte/beneficiário e proibindo-a, em contrário.
A conclusão torna-se óbvia: A criação de um novo imposto sobre as heranças acima de 1 milhão de euros (200.000 contos), cujo “produto” servirá para financiar a Segurança Social, viola o princípio da não-consignação, na medida em que tal imposto poderá ser cobrado, desde logo, a quem dela não beneficie, mas sobretudo (ou o mais das vezes), sem que exista o referido nexo contribuinte/beneficiário sempre que o sujeito passivo do imposto esteja já em situação de reforma/aposentação.
A crítica é, pois, de todo em todo, igual à que afectou a Contribuição Especial de Solidariedade, que impõe (com a agravada violação do princípio da “impostos de classe”, nesse caso) um novo imposto (em violação do princípio da unidade da tributação do rendimento) que recai sobre todas as prestações pecuniárias vitalícias, independentemente da sua razão de ser e da sua natureza pública ou privada.
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