Os mortos Curdos e os racistas 

Emine Kara – líder do movimento das mulheres Curdas, refugiada em França na luta pela autonomia Curda foi uma das mulheres assassinadas no ataque racista, junto com outros dois activistas do Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK). 

Na véspera de Natal, um branco francês, fanático racista confesso, agora também assassino, pró movimentos de extrema direita, maquinista de comboios reformado, aos 69 anos, pegou numa arma chamando a si a justiça imaginada por gente intolerante, deslocou-se a uma área onde residem Curdos – povo maioritariamente Muçulmano Sunita – com o intuito de matar. 

Foi apanhado e encontra-se preso. 

Emine Kara foi por ele morta. 

Estava num centro comercial num bairro junto dos seus, em Paris, num país que lhe prometeu protecção, a preparar acções de protesto, assinalando o assassinato em 2013 dos seus conterrâneos do PKK, quando um terrorista francês, branco de credo racista a assassinou a tiro. 

Os tiros foram também direccionados a outros refugiados e activistas curdos neste ataque puramente racista. Três caíram mortos.

Porquê os Curdos? E porquê o racismo?

Porque são migrantes refugiados de pele escura, a lutar por uma causa à qual a França prometeu dar apoio. E uma França que foi colonizadora. 

Desafortunadamente, para os racistas violentos, a liberté, a fraternité e a solidarité não se aplicam a estes casos. 

Porque o caso destes assassinos são casos de fanáticos devotos de uma causa extrema. No caso, a extrema- direita. 

Como foram os fanáticos de uma causa extrema nos ataques ao Charlie Hebdo. 

São os intolerantes a serem intolerantes com uma única intenção – a de matar. 

A França foi um dos países que prometeu proteger os Curdos dos ataques da moderna Turquia na luta pela conquista do Estado Independente do Curdistão que nunca chegou a ser. 

Os Curdos na Europa são apenas refugiados de uma guerra injusta porque lhes ocuparam os seus territórios. 

Não vos lembra outras histórias semelhantes? 

Invasores e invadidos. Opressores e oprimidos. 

Quando vivia em Bruxelas tive o prazer de conhecer alguns Curdos. Fiquei a conhecer um pouco da sua história, através de algumas conversas com eles. 

São politicamente muito atentos e conscientes. Pudera. Perderam tudo. Sabem que a UE e a NATO são “amigos e protectores deles” mas só até um certo ponto. Desde que não interfira nas suas próprias agendas e interesses. 

Ou seja, o filme do costume. 

Os donos de uma mercearia onde eu ia regularmente eram Curdos. Viviam desconfiados mas ao fim de algum tempo conversavam comigo como amigos. 

Eu não gosto de conversas nem de política, e percebi que eles também não…

Também sou metade de um país que foi oprimido e a outra metade do opressor. Desde essa altura as notícias sobre eles interessam-me. Fiquei a conhecer pedaços deles que partilho. 

Assistia a muitas manifestações de activismo político no centro de Bruxelas e naturalmente queria saber o máximo sobre a causa. Simpatizei com eles e com a sua luta. 

A história é complicada no entanto o resumo faz-se rápido – “Um povo que quer o seu território de volta, anda a lutar como pode e a ser morto, vivendo em fuga, refugiando-se onde pode, vivendo da caridade de outros povos, ocupando umas zonas, sem direitos básicos nem cidadania enfiados no enclave de interesses regionais e mundiais”. 

Por isso, um guião comum. 

Têm uma cultura rica, diversos credos, a mesma linguagem mas não só uma língua comum, são educados, as mulheres são activistas e presentes na luta política ao mesmo nível dos homens. 

Em Bruxelas tínhamos também um inimigo comum. O daesh, que eles enfrentaram e lutaram no terreno. 

Vivíamos um drama comum na altura – os ataques terroristas na cidade, o lockdown, o medo. 

Eles conheciam esses filmes de morte, série B, na pele, bem melhor que eu. Partilharam comigo. Eles são refugiados dessas guerras e da falta de casa.

Emine Kara faz parte de boa parte do povo Curdo refugiado. Paris era o seu refúgio temporal enquanto a luta se desenrola. Outra grande parte do seu povo está na Turquia e luta contra Erdogan, que lhes ocupou a terra. 

Entendamos – o neo Império Otomano representado neste homem, um político imperialista hábil e astuto tanto quanto perverso, mantém relações de inter-ajuda perversas com todos – da Rússia, EUA, UE à NATO até à China. 

Um enredo por demais complicado desde a queda do dito Império que este homem quer fazer renascer. 

Mais um guião recorrente.

Erdogan pensa “amigos, eu ajudo desde que os Curdos desapareçam.” 

Já ouviram histórias semelhantes? Mais uma série da saga. 

Um preliminar na recente história prende-se a um pormenor interessante que aconteceu no início deste mês de Dezembro. 

Erdogan – que tem ajudado a UE (com muito dinheiro e não só), a controlar a entrada de refugiados migrantes – recebeu de presente antecipado de Natal, um activista do PKK preso e entregue de bandeja, pela subserviente amiga Suécia. 

Os Suecos vergam-se a Erdogan e entregam um preso político Curdo? Sabemos o que passa com os presos políticos Curdos nas prisões turcas. Há matéria e organizações suficientes a relatarem. 

Porém, os Suecos já não são esse baluarte dos Direitos Humanos. Estude-se o caso Assange. Estude-se a perfídia da invenção de uma história para o entregarem às mãos dos Americanos. 

Estes são os novos vendilhões do templo. Os novos hinos (carol) de Natal de Dickens. 

A Suécia é hoje um caso feio de venda em saldo de Direitos Humanos. Uma espécie de IKEA dos DH – faça você mesmo, e é se quer. Estão fartos de refugiados, também. Os coitadinhos. Prestam-se por isso a mostrar serviço. 

O meu lado Europeu ficou profundamente envergonhado. Somos uns vendidos ao Erdogan. Shame on you Suécia! 

Enquanto em Paris está o corpo de Emine e dos seus compatriotas, corpos Curdos caídos numa rua em véspera de Natal, contam histórias de um povo de refugiados, corpos políticos, irmãos do preso político entregue pela Suécia a Erdogan para ir morrer numa prisão turca (como Assange morre lentamente numa prisão Inglesa, antes de ir morrer numa prisão Americana), devíamos ser todos Curdos. E todos Assange. E anti-racistas. 

Shame on us que nos dizemos faróis de Direitos Humanos. 

Uns dias depois da entrega do prisioneiro do PKK, a troco não se sabe de quê, um europeu, branco, neo-fascista e racista matou Emine Kara, a refugiada Curda, líder de um grupo de Resistência, em Paris. 

Os Curdos – são um povo com uma população de 25 a 35 milhões de pessoas espalhada por vários países. 

Nascidos na antiga Mesopotâmia, entres os rios Tigre e o Eufrates, depois da queda do Império Otomano no final da I GM, viu o seu território dividido por cinco outros países (Iraque, Síria, Turquia, Irão, Arménia), sem que lhes fosse dado de volta (como foi prometido) o seu território – para dele fazerem um Estado independente. Por ele lutam. 

As histórias semelhantes são tantas que este planeta parece um paraíso de repetições. Deveria chamar-se Terraflix. 

O povo de Emine é um povo de refugiados em vários países europeus, que lhes prometeram protecção. França e Bélgica são dois deles. 

Na Europa de hoje ninguém está livre destes ataques racistas, por fanáticos da extrema-direita que a Europa vê ressurgir. 

Nem Curdos nem ninguém de cor de pele escura. E este foi um ataque racista. 

Um racista saiu pela manhã, com uma arma na mão, pronto a disparar, com a intenção de matar. 

Preto bom é preto morto, na sua visão branqueada do assunto. 

Seja Curdo ou seja de outro lugar qualquer. Se for escuro de pele já se arrisca. 

A Europa está hoje neste caldo de ódio contra a entrada de mais refugiados, migrantes e pretos, cuja saída de vida é a morte.

Emine Kara foi mais uma das milhares de vítimas Curdas da política de interesses, por poder e domínio do mundo por uns senhores narcisistas, que usam a prática de políticas para criar mais racistas, e gente com ódio do estrangeiro, do refugiado, e do outro que é diferente. 

Hoje que celebram o dia inventado para o nascimento de um homem do Médio Oriente de pele escura e refugiado, em fuga de um vil Herodes que o queria matar (a história trágica da humanidade nada mais é que um conto de terror, vingança e morte), espero que se lembrem que a extrema-direita é racista, fascista, populista e anda aí pelas ruas a caçar fanáticos que primam os gatilhos. É este o único jogo que conhecem e querem praticar. 

O assassino racista confesso matou três refugiados, entre eles Emine. Uma líder de uma Resistência. De uma luta justa. Equivalente às lutas de Steve Biko, de Amílcar Cabral, de Mondlane e de Samora, entre outros. 

Foi este um crime político? 

Duvido que o racista soubesse quem eram os Curdos. Nem lhe interessava. 

Foi um crime racista. O racista francês devia saber que tinha de fazer qualquer coisa para acabar com mais uns pretos, e, ter o nome inscrito no Panteão de racistas assassinos. 

Tal como o homem branco, reformado, ex-militar na Guerra Colonial, racista, que num dia de manhã em Lisboa saiu com a intenção de matar Bruno Candé. Por este ser preto. 

Tal como os outros neo-fascistas, racistas por odiarem africanos, decidiram sair na noite com a intenção de matar – a vítima foi Alcindo Monteiro. 

O racismo não apenas mata, como também cria estratificação. Eu explico.

Tenho a certeza que se o terrorista que praticou este ataque fosse preto – e tivesse atacado um grupo de brancos que estivesse a lutar por uma causa – teria sido morto pela polícia logo ali após o ataque, numa rua do bairro Parisiense onde estava caído o corpo político de Emine. 

Encontraram as diferenças? 

Não deixemos a indiferença ficar soterrada entre sonhos de abóbora, licores e bacalhau com todos.

Anabela Ferreira

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