De alguns anos a esta parte que ouço os discursos dos oradores convidados do Dia 10 de Junho. Foram muitos nomes: Vergílio Ferreira,Jorge de Sena, Fernando Namora, Agustina, Eduardo Lourenço, António Barreto, Onésimo e por aí adiante.Todos ilustres figuras da nossa cultura. E depois ? O que guardámos dessas intervenções ? Nada,ou quase nada. Não porque não tivessem sido todas elas brilhantes alocuções, mas porque falaram para meia dúzia de pessoas.Até podem ter-se esforçado por falar do país real.Mas foi o país dos “barões assinalados” que os ouviu, independentemente das suas obras literárias ou científicas, uma parte desses notáveis não foram escutados nem compreendidos
Ontem, um rapaz do “Governo Sombra” encheu de indignação um cem número de boas consciências da Esquerda e terá agradado a uma Direita inorgânica, civilizada e democrática que está orfã de um pensamento lógico e que terá encontrado nesta intervenção um caminho que ela, por clara fraqueza vital, não sabe caminhar. E os outros que, como eu, gostam de agitar as águas, fugir ao conservadorismo de esquerda e de direita, aos amanhãs que cantam, aos sebastianismos serôdios e e aos salvadores providenciais, e que já não aguentam tanto situacionismo , venha ele donde vier (é como o colonialismo, não há nem bom nem mau, o colonialismo é todo mau),até apreciei a oratória porque falou de povo e não do soldado desconhecido,do Camões lírico e amoroso e não do mata-mouros dos feitos heróicos, de democracia, da mais-valia do sector público que é de todos,criticou o futebol alienador de massas, ousou as ideias e, ao contrário do afirmado por um escritor e capitão de Abril, não houve palavreado estadonovista, nem a irrelevância medíocre de Américo Tomás. Foi , sim, uma intervenção que picou o boi adormecido, obrigou o país a reagir, apoiando ou criticando e, sobretudo, tornou por demais evidente que muitos dos nossos intelectuais , talvez por razões de decoro, deixaram de intervir na sociedade com a acutilância que lhes é exigida. Herculanizaram-se, refugiaram-se num Vale de Lobos qualquer e escrevem para as editoras que lhes asseguram as vendas, a sobrevivência e alguma notoriedade externa. Muitos de nós vivem em grupos de qualquer coisa,reagem como lobos em alcateia,desgraçam o primeiro que ponha em causa o lugar-comum da excelência que auto-proclamam, ou que outros, por encomenda, ou necessidade de sobrevivência ao mundo das figuras públicas, fazem o favor de os exaltar. E o pior nem são os ideólogos, quando os há, são os apóstolos, esses crentes que se deixam conduzir pelo mão que segura o cajado.
O que há alguns anos temia que viesse a acontecer, aí está para toda a gente contemplar. Mas o pior é que quase ninguém está interessado em ver claramente visto. Haja pão e circo e está tudo bem. Neste mundo globalizado vivemos dirigidos pelos senhores da alta finança, do futebol, das religiões, da política, com herdeiros dos velhos déspotas e por fim controlados por uma generalizada ignorância confrangedora de licenciados de usa-e-deita-fora, sem futuro a não ser que sirvam de capatazes, que se encaixem com facilidade na volatilidade do novo tempo, sem se questionarem, segurando os empregos que tantos almejam mas poucos alcançam.
Digo isto e espero que não me julguem um perigoso pessimista admirador de discursos negativistas.
JMT disse o que tinha a dizer. E apesar de eu pertencer à outra margem do rio das ideias, saúdo a sua frontalidade que obrigou alguns a saírem da sua zona de conforto, a dizerem o que disseram, com frontalidade e, ou eu me engano muito, ou este Dia de Portugal de 2019 fica marcado não pela excelência ou beleza do texto literário,mas pela objectividade certeira das palavras simples que foram utilizadas como necessárias para que a maior parte dos portugueses pudessem entender a mensagem.
Carlos Carranca
NR: Texto publicado originalmente na página FB de Carlos Carranca.
Deixe um comentário