Em 18 de Outubro de 1989, o Supremo Tribunal de Justiça, num tristemente célebre Acórdão relatado pelo Juiz Conselheiro Vasco Tinoco, e igualmente subscrito pelos seus colegas Lopes de Melo, Ferreira Vidigal e Ferreira Dias, espantosamente, invocava, como razões pretensamente justificativas da brandura da pena aplicada a dois violadores, as circunstâncias de as vítimas serem cidadãs nórdicas com
“um comportamento sexual muito mais liberal e descontraído do que a maioria das nativas”, e terem pedido boleia “em plena coutada do chamado macho ibérico”!
Em 9 de Outubro de 2014, o Supremo Tribunal Administrativo, num Acórdão relatado pelo Juiz Conselheiro Alberto Acácio de Sá Costa Reis e igualmente subscrito pelos seus colegas José Francisco Fonseca da Paz e Maria Fernanda dos Santos Maçãs, baixava consideravelmente a indemnização por danos morais que fora atribuída a uma mulher vítima de negligência médica que a afectara gravemente na sua sexualidade, agora com o absolutamente inacreditável argumento de que a mesma mulher
“na data da operação já tinha 50 anos e dois filhos, isto é, uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança”.
Esta decisão, aliás, determinou, após a queixa 17484/15, a condenação do Estado português pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, numa decisão de 25 de Julho último que explicitamente aponta “os preconceitos que prevalecem nos sistema judiciário português”.
Finalmente, no passado dia 11 de Outubro de 2017, o Tribunal da Relação do Porto – através dum Acórdão da 1ª Secção (Criminal) relatado pelo Juiz Desembargador Neto de Moura e igualmente subscrito pela Desembargadora Maria Luisa Arantes – veio invocar, como pretensa justificação da suspensão da execução da pena fixada a um acusado de violência doméstica, as seguintes preciosidades:
“Por outro lado, a conduta do arguido ocorreu num contexto de adultério praticado pela assistente. Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem.Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte.Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte.Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (código Penal de 1886, artigo 332º) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse.Com estas referências pretende-se, apenas, acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”.
Ora, depois de tudo isto ainda haverá quem discorde ou sequer duvide de que cada vez mais importa garantir a transparência, a responsabilidade e a fiscalização democrática dos Tribunais, que são os únicos órgãos de soberania que não têm legitimidade democrática electiva, e de que se impõe que a comunidade cívica controle efectivamente o modo como os seus titulares são escolhidos, formados, avaliados e classificados?!…
António Garcia Pereira
[…] violência sexual (2018) e os meus artigos “Quando os lobos julgam, a justiça uiva”, “Os Outubros Negros da Justiça Portuguesa”, “Como defender um agressor – os acórdãos do juiz Neto de Moura” e “Violência […]
[…] [5] Num acórdão da Relação do Porto, de 11/10/2017, em que Neto Moura procurava justificar a suspensão da pena aplicada a dois homens autores de uma bárbara agressão a uma mulher, com o “argumento” do adultério desta, e a Desembargadora Luísa Arantes invocou ter assinado o texto do acórdão sem o ter lido adequadamente – sugiro a leitura do meu artigo: “Os Outubros Negros da Justiça Portuguesa”. […]