Para que a morte não volte a sair à rua!

Mário Jorge Neves (Foto FNAM)

Em 1961, o nosso país vivia sob uma ditadura fascista e o pintor e escultor José Dias Coelho, membro clandestino do PCP, foi assassinado com 2 tiros à queima-roupa por 5 agentes da polícia política da ditadura (PIDE) na via pública e em pleno dia.

Anos mais tarde, o Zeca Afonso homenageou este democrata com uma canção denominada “ a morte saiu à rua”.

Vivemos em Democracia há quase 50 anos, mas a Democracia e a Liberdade não são conquistas irreversíveis, necessitando sempre de ser cultivadas e acarinhadas.

A história está cheia de exemplos dramáticos de regimes democráticos liquidados.

Hoje, por toda a Europa, assiste-se ao recrudescimento dos movimentos fascistas que numa percentagem apreciável de países já se encontram nos respetivos governos.

Esta situação muito preocupante é o resultado direto da falência do projeto da Europa Social e a sua transformação numa dependência mercantilista de tráfico dos direitos de cidadania.

Nas décadas de 1920 e 1930, os movimentos fascistas foram adquirindo gradualmente uma maior relevância política e eleitoral, acabando por dominar a esmagadora maioria  dos países europeus.

Seguiu-se o maior pesadelo da atual civilização com mais de 50 milhões de mortos e a destruição generalizada de dezenas e dezenas de países.

Com avultadas quantidades de dólares, Steve Bannon, chefe de estratégia da Casa Branca e assessor político especial de Donald Trump andou alguns anos a deambular por diversos países europeus e latino-americanos a organizar os movimentos fascistas e a montar esquemas de financiamento para as suas atividades de sabotagem das instituições democráticas e de descredibilização dos partidos políticos chamados de “tradicionais”.

Steve Bannon é o fundador do “The Movement” que é um agrupamento político cujo objetivo fundamental  é criar uma grande aliança de extrema direita europeia com as ideias chave do eurocepticismo, liberalismo económico e o populismo.

A enorme dimensão da acção de agitação anti União Europeia dirigida pelo activista de extrema direita na Grã –Bretanha, Nigel Farage, teve uma importância decisiva no resultado do Brexit.

Karl Polanyi , filósofo e economista austríaco,  considerou que uma das conceções ideológicas fundamentais do fascismo é a anulação da dimensão individual dos cidadãos na sociedade, com a qual também desaparece a responsabilidade individual para com a comunidade, criando-se uma sociedade de indivíduos atomizados sem nenhum tipo de conexão social.

A atomização da sociedade converte-a numa massa amorfa. E este amorfismo misturado com crescentes níveis de ignorância cria uma vulnerabilidade extrema nos cidadãos, tornando-os facilmente manipuláveis por todas as formas de propaganda.

 As organizações fascistas têm um guião cujos objetivos nucleares são debilitar, desacreditar e desorganizar o aparelho político e representativo da Democracia.

Outra característica dos movimentos fascistas é fazer múltiplas promessas de vida esplendorosa se chegarem ao poder, aproveitando o desespero das classes trabalhadoras e em particular da classe média.

Hitler prometeu um carro para cada alemão e até criou uma marca própria de automóveis e Pinochet assegurou que ia fazer de cada chileno um empresário.

Os dramáticos resultados finais são bem conhecidos.

Esses movimentos fascistas procuram seduzir sectores das forças militares, militarizadas e do sistema judicial na perspetiva de poderem usufruir no futuro de algum grau de impunidade relativamente às suas ações de terrorismo ou de afronta à ordem legal.

Um dos seus métodos característicos para ganhar simpatias é colocar-se contra os partidos políticos e contra a política em geral.

Nesse sentido, o fascismo procura criar organizações com currículo limpo de tarefas governativas, criando a imagem de um substituto desejável dos velhos partidos.

Cria novos partidos para não ter um passado igual aos outros.

O fascismo é o resultado do fracasso do sistema democrático para resolver os problemas políticos, sociais e económicos.

A desilusão geral com as políticas seguidas leva à falta de resistência por parte das várias classes sociais.

A incerteza económica, social e a insegurança são condimentos para a progressão do fascismo.

O fascismo surge da acumulação do desespero pessoal e social.

O recurso a ações terroristas quer no plano político quer no plano da legalidade, procura espalhar o medo e o terror, bem como paralisar os seus inimigos.

Nessa sua intervenção, as suas táticas fundamentais são desumanizar e exorcizar o inimigo, recorrer à mentira sistemática, criar de si próprios a imagem de justiceiros, desenvolver a teoria dos bons e dos maus e mais recentemente a utilização do “lawfare” como forma de instrumentalização do direito para fins de perseguição política.

As actuais “fake news “ tiveram a sua origem nos 11 princípios da propaganda nazi desenvolvidos pelo sinistro Goebbels.

O termo “fascio” nasceu em Itália e significa grupo.

Um dos métodos eficazes para manter compacto um grupo é atribuir-lhe um inimigo comum para odiar (judeus, ciganos , cidadãos de esquerda, etc).

A ascensão do nazismo na Alemanha residiu em grande medida na debilidade moral da sua democracia.

A memória democrática é um instrumento nuclear de defesa da democracia.

Juan Manuel Aragués referiu que o crescimento do fascismo na Europa está relacionado com a questão da memória.

Sem a coesão social e a convicção deque é preciso respeitar a memória, o fascismo avança.

No nosso país assistimos também a estes esforços de puro terrorismo político das forças de extrema- direita e daqueles que se intitulando da direita liberal ou centro-direita lhes fazem o jogo.

O recurso a amplas campanhas mediáticas de caráter pessoal, de insinuações sobre casos, casinhos e casões, só têm como objetivo dinamitarem o próprio regime democrático, desgastando-o e debilitando-o aos olhos dos nossos cidadãos.

Há que salvaguardar, naturalmente, que após o apuramento efetivo das responsabilidades reais, há que punir com vigor os prevaricadores.

Por outro lado, é muito preocupante assistir à completa impunidade de iniciativas como o cerco à sede nacional do PS, procurando retomar esquemas utilizados no Verão de 1975 contra dezenas de sedes do PCP, incendiadas e completamente destruídas.

Simultaneamente, como explicar a impunidade da afixação de enormes placards apelando a uma chamada “limpeza” e colocando cruzes vermelhas em cima de fotos de membros do governo? Não é esta ação suscetível de ser entendida como um apelo indireto à eliminação física desses e de outros membros do governo?

Esta campanha de ódio tem de ser combatida no plano político e com o respeito rigoroso da nossa Constituição, que proíbe as organizações fascistas.

Finalmente, importa dinamizar urgentemente a nossa memória democrática coletiva.

Viva a Liberdade, Sempre.

A morte não pode voltar a sair à rua!

Mário Jorge Neves, médico.

Um comentário a “Para que a morte não volte a sair à rua!”

  1. Olga carqueija diz:

    Mas para que as externas direitas estejam a ganhar terreno praticamente em toda a Europa , alguma coisa aconteceu,o quê? O que se perdeu? Alguém è responsável , quando é porquê? È assustadora a viragem na Europa.

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