O Governo faz hoje meio ano. Parabéns ao Governo, parabéns António Costa.
Poder-se-á dizer que não se dão parabéns por semestres mas sim por anos completos. Neste caso é diferente. Para quem dizia que este Governo não iria sobreviver seis semanas, atingir seis meses já é um feito notável que tem custado a engolir (ó se tem!) à direita empedernida e recalcitrante, dentro e fora de portas.
Depois de um período inicial de esquizofrenia e negação da realidade – e a realidade é que temos um Governo do PS sustentado no Parlamento pelo PCP e pelo BE -, a direita começou finalmente a trabalhar com todos os meios de que dispõe (e são imensos) para derrubar o governo socialista. O plano está gizado, marcha a todo o vapor, e assenta na seguinte estratégia que é cumprida com zelo pelas mensagens subliminares ou explíctas das notícias e comentários que a comunicação social capitaneada pela SIC do inefável Dr. Balsemão vai despejando insidiosamente. Vejamos, então:
Todas as medidas do PS são más mesmo quando são boas.
Exemplifico. És funcionário público? Passas a ganhar mais ao fim do mês porque te são repostos os cortes que Passos te fez no ordenado? Achas que isso é bom? Desengana-te. Um dia destes não há dinheiro para vencimentos e passas a receber zero. Por isso não sejas ávido. É melhor ganhares pouco do que não ganhares nada. Vá lá, manifesta-te contra o PS porque te repôs o ordenado.
Passas a trabalhar 35 horas por semana em vez de 40? Achas que isso é bom? Desengana-te. O que vais fazer com tanto tempo livre? Vais-te aborrecer solenemente, stressas, deprimes, caminhas para a consulta de psiquiatria e passas a gastar uma fortuna em medicamentos. Vá lá, manifesta-te contra o PS porque te repôs as 35 horas.
Vais ver simplificada toda a tua forma de te relacionares com o Estado, ser dispensado de entregar a declaração de IRS, de renovar a carta de condução e outras trabalheiras e burocracias? Achas que isso é bom? Desengana-te. O Estado quer é ir-te ao bolso no IRS sem dares por nada e sem poderes reclamar sequer. Vá lá, manifesta-te contra o PS porque este simplex e este simplismo de pretender acabar com a papelada só te vai complicar a vida.
Não és funcionário público mas beneficiaste da subida do salário mínimo? Achas que isso é bom? Desengana-te. Já pensaste no esforço acrescido que o teu patrão vai ter fazer todos os meses para te pagar? Querias estar no lugar dele? Um destes dias ainda se cansa, fecha a empresa e vais para o desemprego sem apelo nem agravo. Vá lá, manifesta-te contra o PS porque te aumentou o salário e te escancarou a porta para o desemprego a breve prazo.
Resumindo a mensagem: ganhar mais é mau, trabalhar menos é mau e ter a vida simplificada também é mau.
Todas as medidas do PS são más quando aumentam a despesa do Estado e quando diminuem a despesa do Estado, quando diminuem a receita do Estado e quando aumentam a receita do Estado.
Exemplifico. O aumento do salário mínimo, a reposição dos ordenados da função pública, a reposição das 35 horas, a reversão das privatizações de transportes públicos, são medidas totalmente erradas, porque aumentam a despesa do Estado, e lá vem o papão do deficit, as sanções de Bruxelas e o chicote do Ministro Schauble.
Mas a não renovação dos contratos de associação com os colégios privados nas zonas em que haja escolas públicas a funcionar abaixo da sua plena capacidade, também é uma má medida, precisamente porque vai fazer descer a despesa do Estado, mas à custa da liberdade de escolha.
A abolição de portagens em certas autoestradas e a eliminação de taxas moderadoras em certos atos médicos para alguns grupos de cidadãos, são claramente más medidas porque diminuem a receita do Estado e lá vem de novo o deficit e as sanções de Bruxelas.
Mas a subida do imposto sobre combustíveis também é uma má medida porque faz aumentar a receita do Estado asfixiando, desse modo, a sociedade civil e a iniciativa privada.
Resumindo a mensagem: quando o Governo aumenta a despesa e diminui a receita a direita acena com os mostrengos de Bruxelas, quando o Governo diminui a despesa e aumenta a receita, a direita invoca princípios, direitos e valores. E depois ainda tem o desplante de dizer que à esquerda é que existe uma agenda ideológica.
Todas as medidas económicas do Governo que beneficiem os trabalhadores, ou que fortaleçam o Estado Social, resultam de uma imposição do PCP e da Intersindical, logo só podem ser más, porque o PCP é de extrema-esquerda. Todas as medidas sociais e de costumes que libertem os cidadãos resultam de uma imposição do BE, logo só podem ser más, porque o BE é de extrema-esquerda. Todas as medidas do Governo que apoiem as empresas e o investimento privado, que salvem bancos ou que distribuam fundos comunitários, ou medidas que cumpram os desideratos de Bruxelas, resultam de uma opção do PS, mas só podem ser más porque não são implementadas com convicção desde que o PS se aliou à extrema-esquerda.
Explico. A extrema-esquerda é uma coisa má, pior que o vírus da SIDA, talvez a oitava e nova praga do Egipto, já que na descrição bíblica só foram sete. Na extrema-esquerda estão aqueles tipos que não vão à missa ao Domingo, que não usam gravata, que não tomam banho e que não sabem comer de faca e garfo. Assim sendo, quaisquer medidas que tais forças promovam ou que, mesmo discordando, permitam implementar, por muito apelativa que seja a embalagem, só podem ser más e como tal execradas. Ora, como qualquer cidadão em seu perfeito juízo abomina pragas e avantesmas, conclui-se que não poderá fazer outra coisa senão manifestar-se contra o PS e contra este Governo.
Todas as catástrofes ocorridas nos quatro anos do Governo anterior que prejudicaram o país e os cidadãos foram culpa da troika e do Sócrates que a chamou. Tudo o que de mal sucede ou possa suceder no País nos dias de hoje, é culpa do Governo atual.
Exemplifico. Passos cortou salários, pensões, aumentou o deficit e a dívida do Estado, vendeu empresas em saldo aos chineses, mandou os jovens emigrar, levou ao desemprego e à miséria milhares de portugueses, fez regredir o país 20 anos em variados indicadores económicos? Pois claro, fez isso tudo, mas como poderia ele ter feito diferente se estávamos na bancarrota? – pergunta e responde simultaneamente a direita. Ele fez isso tudo mas foi a troika que o obrigou.
Em contrapartida, se os suinicultores se manifestam porque não vendem, ou vendem a perder dinheiro, já que a União Europeia com as sanções à Rússia lhes cortou um grande mercado importador, a culpa é do Governo.
Se os estivadores estão em greve, lutando contra a precarização que o patronato lhes quer impor, a culpa é do Governo.
Se as exportações caem porque Angola não compra devido às dificuldades económicas que está a ter com a queda do preço do petróleo, a culpa é do Governo.
Se os números do desemprego aumentam porque deixaram de estar mascarados com falsos estágios e cursos de formação que a ninguém formavam, a culpa é do Governo. Se as taxas de juro sobem, a culpa é do Governo.
Se as taxas de juro descem o mérito é do BCE e das suas políticas de expansão monetária.
Se o investimento privado não descola, a culpa é do Governo, mas se o Governo tenta arbitrar um conflito entre privados e estes não chegam a acordo, como no caso do BPI, a culpa também é do Governo.
E finalmente a mais caricata de todas: se Bruxelas nos impuser sanções por procedimento de deficit excessivo em relação às contas de 2015, a culpa é do Governo atual, que governou 20 dias em 2015 e não do anterior que governou o resto do ano.
Em síntese: Tudo o que de mau se passe ou possa vir a passar é sempre culpa do atual Governo. Tudo o que de bom ocorra, só aparentemente é bom, porque é logo profetizado que irá desencadear apocalipses futuros. E quando é indiscutivelmente bom, o discurso da direita é dizer que vai durar pouco, ou que as causas são devidas à sorte ou a entidades externas. É este o plano de intoxicação das consciências que está em curso.
Mais que a capacidade política e orçamental de repor rendimentos, tendo em conta as baias do Tratado Orçamental e a ortodoxia financista da Comissão Europeia, a mais-valia do programa deste Governo reside na devolução da esperança no futuro aos portugueses, a qual, se transformada em confiança, poderá alavancar decisões de consumo e investimento que poderão impulsionar um outro dinamismo à economia e desse modo criar condições de crescimento económico, esse sim, pedra angular de um efetivo aumento dos rendimentos e do poder de compra dos cidadãos. A direita sabe isso. E é por essa razão que diariamente com tanto afinco os seus arautos persistem em espalhar a incerteza, promover o terror, aniquilar a esperança e antever a desgraça, de forma a manter o país adiado e em estado de sítio psicológico permanente.
Porque sem desgraça e catástrofe no país, a direita sabe que tem poucas probabilidades de regressar ao poder nas próximas décadas, já que podemos dividir a história da democracia portuguesa, instaurada em 1974 em dois períodos distintos, AG e DG (antes da geringonça e depois da geringonça), e já estamos agora na época DG.
Mal-aventurados sejam aqueles que só conseguem alcançar o seu bem-estar, e que é sempre o bem-estar de poucos, à custa da desgraça de muitos.
(*) Estátua de Sal é pseudónimo dum professor universitário devidamente reconhecido pelo Noticias Online
Deixe um comentário