– Porque é que, no final dos anos 90, o Ministério Público não apenas, e por despacho da então Procuradora Distrital de Lisboa e hoje Ministra da Justiça Francisca Van Dunem (despacho esse, aliás, só conhecido quando o processo deixou de estar em segredo de Justiça e os prazos de prescrição do procedimento criminal já tinham entretanto decorrido), aquando das denúncias de corrupção nas relações entre alguns laboratórios da indústria farmacêutica e alguns médicos, decidiu não investigar todos os casos em que os pagamentos fossem inferiores a 500 contos, como também não conseguiu encontrar (!?), para os inquirir, cerca de 4 dezenas de médicos do Serviço Nacional de Saúde?
– Porque é que, já nos anos 2000, o Ministério Público do Tribunal de Cascais não acusou o espião sul-africano Peter Groenwald de escutas absolutamente ilegais ao serviço do SIS, que o mesmo explicitamente confessou, tendo até identificado os seus controleiros e quanto recebia por mês, sendo que foi a julgamento apenas pelo crime de detenção de material de escuta e acabou absolvido por… alegada “falta de consciência da ilicitude”?
– Porque é que nunca se averiguou até ao fim, quem e como montou a manobra que culminou na miserável imposição, em 1999, da demissão do Dr. Fernando Negrão do cargo de Director Nacional da Polícia Judiciária na sua acusação criminal, no seu assassinato cívico e na tentativa da sua condenação criminal, bem como na perseguição disciplinar e criminal aos Directores Nacionais Adjuntos que com ele então se solidarizaram e se demitiram (como o Inspector Sousa Martins)?
– Que é feito, e que responsabilidades foram apuradas acerca dele, do tristemente célebre “envelope 9” do chamado processo Casa Pia onde se continham os dados relativos ao controle e à devassa, por parte dos inspectores da PJ e dos magistrados do Ministério Público do mesmo processo, e sob o pretexto das respectivas investigações, dos telefones de dezenas e dezenas de titulares de cargos públicos do Estado de direito, do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo ao Presidente da República Jorge Sampaio, obtendo assim, de forma completamente ilegítima e sabe-se lá com que finalidades, dados pessoais e da sua intimidade e privacidade?
– Por que razão o mesmo Ministério Público o que então fez foi, em vez de investigar como essa gravíssima conduta ocorrera, ir, sob a direcção do Procurador Rosário Teixeira, irromper, em Janeiro de 2006 e aos gritos “cowboyescos” de “Mãos fora dos teclados!”, pela redacção do Jornal (o “24 horas”) que noticiara essa ilegalidade escandalosa e apreender, entre outros elementos, o computador do Jornalista Joaquim Oliveira, enquanto à mesma hora outra brigada invadia a casa do Jornalista Van Krieken e aí apreendia o computador deste, tudo diligências depois consideradas completamente ilegais por duas decisões judiciais?
– Que meios existem para controlar e mesmo impedir este tipo de fúrias persecutórias absolutamente inadmissíveis num verdadeiro Estado de Direito, mas sempre levadas a cabo sob a capa, é claro, do “combate aos poderosos” e de que “a Justiça está a funcionar”?
– Porque é que, em Junho de 2011, quando se descobriu que se verificara um “copianço” colectivo numa prova do Centro de Estudos Judiciários – a escola de formação dos juízes e procuradores – a prova não foi logo anulada e, ao invés, a todos (incluindo os praticantes da fraude) começou por ser atribuída classificação positiva, sendo apenas repetida após o clamor público que a situação provocou?
– Quais as verdadeiras razões por que, em Setembro de 2004, quando o Governo de então nomeou uma Professora da Faculdade de Direito de Coimbra e não magistrada (a Professora Anabela Rodrigues) como Directora do dito C.E.J., a esmagadora maioria dos seus formadores, quase todos magistrados, apresentou a sua demissão em sinal de protesto por não ter sido nomeada uma pessoa da corporação?
– Como, por quem e com base em que critérios são, no mesmo Centro de Estudos Judiciários, avaliados os candidatos a juízes e procuradores, são aprovados os finalmente escolhidos, e são depois formados?
– É ou não verdade que os juízes conselheiros que passaram a poder provir do Ministério Público mantêm esse seu “ADN” e transportam, para as suas decisões como juízes, os tiques e as concepções da corporação do mesmo Ministério Público?
– É ou não verdade que as sucessivas reformas e medidas legislativas, sempre apresentadas como verdadeiras panaceias para tornar a Justiça mais célere, mais eficaz e mais justa, tiveram afinal como resultado exactamente o oposto?
– Onde conduziram essas reformas senão ao aumento da ausência de controle e mesmo do completo arbítrio como, por exemplo, a restrição da possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em processo penal, apenas aos casos de condenações em penas superiores a 8 anos de prisão [artº 400º, nº 1, alínea f) do CPP – Código de Processo Penal]; ou a admissibilidade de Acórdãos votados e assinados apenas por 2 juízes desembargadores (artº 419º, nº 2 do dito CPP), ou até das chamadas “decisões sumárias” da autoria de apenas um julgador (artº 417º, nº 6)?
– Onde conduziram, se não ao mesmo resultado, medidas legislativas no processo civil como as da restrição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça apenas aos casos onde o valor da acção, por cada autor, seja superior a 30.000€ e, cumulativamente, as decisões do Tribunal da 1ª instância e da 2ª instância (Relação) não tenham sido exactamente no mesmo sentido (artº 671º, nº 3 do CPC – Código de Processo Civil)? Ou as de se admitirem decisões de recursos por um só juiz da Relação (artº 656º do CPC) ou acórdãos que nada apreciam e se limitam a remeter para outro anterior juntando cópia do mesmo (artº 663º, nº 5)?
– É ou não verdade que o Ministério Público faz o que quer e lhe apetece na fase inicial do processo-crime (a do inquérito), desde logo por não ter de respeitar os prazos processuais legalmente fixados, maxime o estabelecido para a conclusão do mesmo, isto por os Tribunais terem o entendimento de que só para os cidadãos, sejam eles queixosos e arguidos e para os seus Advogados, é que os referidos prazos são obrigatórios, já que para o Ministério Público e o juiz eles seriam “meramente ordenadores da marcha do processo” e o seu incumprimento nenhuma consequência teria?
– Mas tal sucede ou não também por os juízes de instrução criminal entenderem que não lhes compete de todo fiscalizar o modo como o Ministério Público exerce ou não a acção penal? E isto por entenderem e consagrarem coisas inacreditáveis como a de que não há nulidade do mesmo inquérito se o Ministério Público nada investigou a não ser quando omita uma diligência obrigatória por lei, pelo que, quando omite todas as diligências que o bom senso e a mais leve vontade de averiguar a verdade dos factos sempre imporiam, já não há problema ou nulidade alguma!
– É ou não verdade que a fase contraditória e jurisdicional – a chamada “instrução” – é hoje uma autêntica farsa, não só porque decorre perante o mesmíssimo juiz que, até então, caucionou todas e cada uma das actuações do Ministério Público, como também porque nessa fase (instrução) não se repetem as diligências feitas pelo Ministério Público – mesmo que mal feitas! – na fase anterior do inquérito (artº 291º, nº 3 do Código de Processo Penal)? E porque as novas diligências de prova podem ser, todas, indeferidas, e isto por um despacho do juiz de instrução que não é susceptível de recurso (nº 2 do mesmo artº 291º)? Ou, pior que tudo isso, o cidadão que denuncie um crime público, por exemplo de violação, grave e ostensiva, do segredo de Justiça, de que tenha tomado conhecimento, não pode depois reagir (requerendo a abertura de instrução) perante um despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, agora sob o absolutamente extraordinário argumento de que ele, queixoso, não é o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, estipulada no artº 371º do Código Penal, da referida violação do segredo de Justiça e logo não tem, face ao artº 68º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal, “legitimidade” para essa reacção?!
– É ou não verdade que o princípio constitucional do “juiz natural” (que proíbe que haja juízes especiais para processos especiais) é afinal continuamente violado, seja por o Ministério Público poder escolher cirurgicamente o juiz de instrução que mais lhe convém (por exemplo, classificando o processo como de “alta complexidade”, justificando assim a sua remessa para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal – DCIAP e escolhendo desta forma o Dr. Carlos Alexandre), seja por a distribuição dos processos não ser um processo tão transparente quanto controlável e controlado por todos?
– Tendo a actual Procuradora Geral da República afirmado há cerca de 6 anos atrás, no início do seu mandato, que iria instaurar processos-crime e combater implacavelmente todas as violações de segredo de Justiça, que é feito afinal desses processos e qual o balanço que hoje se pode deles fazer? Ou satisfazemo-nos com as afirmações do próprio Ministério Público de que em apenas 1% dos casos é que ela se verifica e, logo, “não se confirma a proclamada sistemática violação”, como se afirma num estudo de 2014 da própria Procuradoria Geral da República?
– Temos ou não um Ministério Público que perdeu completamente o foco na real investigação da criminalidade, sobretudo a mais gravosa e complexa (como afinal os seus membros sempre tanto gostam de apregoar…) e que vive obcecado pela afirmação do seu poder e do seu protagonismo? E este poder e este protagonismo são ou não “vantagens indevidas” que não podemos permitir que sejam trocadas seja pelo que for?
– As sempre repetidas, e sempre impunes, violações do segredo de Justiça, bem como todas as manifestações de qualquer tipo de “justiceirismo”, representam ou não um completo aniquilamento do princípio constitucional da presunção de inocência (pois acusam, julgam e sentenciam de forma irremediável na praça pública, antes e independentemente de qualquer julgamento nos Tribunais), mas também uma inaceitável batota, vertendo e impondo como facto consumado a versão da acusação sobre os factos?
– Nós, cidadãos livres e conscientes, temos que aceitar como facto inelutável, esta contínua impunidade do crime da violação do segredo de Justiça? Mas se não temos – como creio firmemente que não temos! – alguém de boa fé crê que a respectiva investigação, se for para ser levada a sério, pode ser entregue ao Ministério Público dos Srs. Ventinhas, Carmo, Palma e Companhia? Na verdade, alguém verdadeiramente acredita que um membro do Ministério Público vá fazer afinal muito menos do que aquilo que, aí sem qualquer fundamento legal, fizeram os do “envelope 9”, ou seja, e por exemplo, requerer a colocação sob escuta e fazer o controle dos telefones, sms e mails dos seus colegas titulares do processo devassado?
Estas são algumas das questões que este cidadão Advogado, com cerca de 43 anos de experiência de trabalho nos Tribunais, tem vindo a colocar ao longo dos anos e que nunca, até hoje, viu serem cabalmente respondidas, antes varridas para baixo de um tapete cada vez mais pesado e bafiento. É tempo de dizer: Basta! O reinado dos poderes incontrolados tem de chegar ao fim!
António Garcia Pereira
Já agora porque razão não podem ser divulgados os resultados das análises à poluição do Rio Tejo. Segredo de Justiça? ou proteção de entidades causadoras de uma poluição 5000 (cinco mil vezes) superior ao normal?