QUEM AINDA ACREDITA EM ALMAS PIEDOSAS, DESENGANE-SE (por Estátua de Sal*)

o rei vai nuQuem ainda não percebeu que os países devedores não podem esperar nenhuma complacência humanitária ou de outro tipo dos credores, ou é ingénuo, ou é burro ou, no limite, é pobre de espírito e vai direitinho para o Céu.

Desde há séculos que o ser humano privilegia e defesa do seu interesse próprio. O egoísmo pauta, no limite, a racionalidade do comportamento humano. Desde Adam Smith que a teoria económica que estuda a racionalidade dos agentes económicos individuais o defende e sustenta.

E só há uma forma de os devedores alterarem este quadro: é empreenderem ações que coloquem os credores perante um cenário de “dilema do prisioneiro”. Ou seja: terem que escolher o mal menor. Ou colaboram, no curto prazo, com os devedores, e lhes permitem criar condições para que eles vão amortizando o que devem, ou nunca mais irão receber coisa nenhuma. Ora, as políticas de compra de dívida pública por parte do BCE, só tem adiado o dia em que os credores terão que enfrentar com realismo tal dilema de Pirro.

Enquanto o BCE for imprimindo notas, os credores irão sempre receber, mas sabem que a dívida dos países periféricos aumentará sempre, e que, a prazo mais ou menos longo, as contas à criação monetária “ex-nihilo” terão que vir a ser feitas na esfera da “economia real” e não na “virtualidade” da contabilidade das instituições financeiras. É por isso que, a todo o custo, impõem queda de salários, pensões e desmantelamento do Estado Social.

Quando o ajuste de contas se fizer com a “economia real”, eles não querem que as notas de euro que tem em mãos, não comprem coisa nenhuma e nada valham. Querem que os ativos reais dos devedores lhes venham a cair no regaço em troca dos papeis azuis que tanto veneram. E para tal, há que começar, desde já, a esbulhar os recursos dos devedores, acumulando ativos reais para o dia do ajuste de contas. 300 euros, chegam para viver na Grécia, dizem eles. Deve ser esta a quantia que calcularam que pode ser paga na Grécia aos trabalhadores, para que estes não morram de fome, continuando, quais escravos dos tempos modernos, a serem explorados para que a cáfila da finança continue a receber os juros da agiotagem.

E este quadro, que válido para a Grécia, é válido da mesma forma para Portugal.

Quem não quer ver isto, é ingénuo, cobarde, ou colaboracionista. Pena é que continuemos a querer enganar-nos a nós próprios. Somos uns néscios. O que devia estar a discutir-se na pré-campanha eleitoral não é como se cortam pensões, ou se não se cortam pensões. O que devia estar a discutir-se é como se paga a dívida do país, se se paga na totalidade ou em parte, e/ou como se paga., e quando se paga. E se a contrapartida para tal reestruturação/renegociação da dívida passa pela discussão da permanência no Euro, pois que se faça essa discussão.

Mas em Portugal, e no resto da Europa, parece que há assuntos tabu que toda a gente tem medo ou vergonha de abordar. É uma espécie de cegueira geral, decorrente da anestesia coletiva que os media encena diariamente para manipularem as consciências e cercear o protesto e a insubmissão dos descontentes.

Até ao dia em que alguém grite do meio da multidão: “O Rei vai nu”.

E nesse dia todos veremos uma Europa prenhe de egoísmos, sem estratégia, vendida aos interesses do capital financeiro mundial, integrada no núcleo duro desse capital financeiro, rendida aos interesses geoestratégicos globais dos EUA, governada por uma clique de funcionários cinzentos, burocracia tentacular, Estado acima dos Estados, que a ninguém presta contas, nem a ninguém se submete democraticamente. É esta Europa onde queremos estar e permanecer?

Duvido que a resposta fosse positiva se o eleitorado fosse chamado a pronunciar-se e conseguisse ver a Europa, de facto, como ela é nos dias de hoje. É que não foi esta Europa que quiseram os seus pais fundadores, Jean Monnet, Robert Schuman, Konrad Adenauer, entre outros, nem foi a esta Europa que quisemos aderir. Mas, infelizmente, foi a esta Europa que chegámos.

Ler também: “300 euros chega para viver”

(*) Estátua de Sal é pseudónimo dum professor universitário devidamente reconhecido pelo Noticias Online.

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