A história dos Cuidadores Informais
O dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência tem vindo a ser atribuído, de uma forma vil, à frente de todos os cidadãos. A questão dos Cuidados não é exceção.
Foi publicado o Decreto Regulamentar que define as regras dos termos e condições do Estatuto do Cuidador Informal deixando, de forma estratégica, a sua maioria por enquadrar. Não apenas na questão das necessidades pecuniárias, mas também ao que às questões laborais e de descontos para a idade de reforma diz respeito.
No entanto, ainda este mês se assinaram mais protocolos para atribuir milhões deste Plano, para que instituições privadas adquiram carros elétricos que servirão de transporte de dirigentes e provedores.
Dentro destes milhões, é anunciado, com pompa que são aprovados dezenas de projetos para que, as mesmas instituições, adquiram equipamentos sociais de apoio a idosos e a pessoas com deficiência.
Ao mesmo tempo, o cidadão que necessita desse material, vê-se refém de burocracia e tempo que não tem, chegando a esperar dois anos por uma cadeira de rodas, um colchão anti escaras, uma prótese que lhe permita locomover-se. Há até quem tenha que batalhar sistematicamente pelo seu direito ao material que usa para se algaliar.
Quem acompanha estas pessoas mais fragilizadas, como o Presidente da Republica gosta de referir, continua sem regulamentação que lhe permita conciliar trabalho com Cuidado. Continua sem um reconhecimento efetivo do seu desgaste diário que sabemos estar a adoecer e a matar milhares de Portugueses; especialmente mulheres.
Escutamos o Governo falar de apoio à taxa de natalidade, ostracizando-nos enquanto pessoas; esquecendo que, enquanto sociedade cada vez mais envelhecida, a mulher que cuida é cada vez mais jovem… Assim, não tendo apoio para Cuidar dos seus pais, por exemplo, como pensa o Governo exigir-nos novas famílias nucleares?
São cada vez mais numerosos os ex-cuidadores informais. Esses seres humanos que, por opção, por receio do que representa a institucionalização que bem conhecemos,
por falta de vagas ou capacidade económica, doaram as suas vidas ao outro. Agora nada têm, sendo tratados como párias!
O Presidente da República, numa febre de medalhar os chamados heróis do Ultramar, tem lançado cortinas de fumo à decrepitude em que se encontram os hospitais militares, o que causa transtornos terríveis às suas esposas, Cuidadoras Informais não reconhecidas há mais de 40 anos. Em Coimbra, deixámos de ter um Hospital Militar para termos um Centro de Saúde Militar, com menos valências e impossibilitando, por exemplo, que um médico possa receitar uma nova prótese a um desses “heróis” que devem aprender a andar em cima de medalhas!
O descanso do Cuidador, que está preconizado no Estatuto, não passa de uma fantasia. Podemos dar o exemplo do antigo Hospital Psiquiátrico do Lorvão que tem um voto transversal na Assembleia da Republica para ser inserido na Rede Pública de Cuidados Continuados e acabou nas mãos de uma empresa desconhecida, sem trabalhadores inscritos na segurança social e sem créditos na área, para exploração de um hotel de luxo.
Não falamos apenas de saúde publica e de alienação de património ou gestão danosa do dinheiro dos contribuintes; falamos de direitos humanos que são atropelados na casa de todos nós, para benefício de empresas e instituições privadas.
No passado dia 23 de dezembro, foi assinada mais uma adenda ao já existente compromisso de cooperação para a solidariedade social, com o objetivo de convergir para a partilha equitativa de responsabilidades financeiras entre Estado e estas mesmas instituições.
Um pacto celebrado com um discurso fervoroso, da parte do Dr. Manuel Lemos, da Santa Casa da Misericórdia que, desde o inicio se demonstrou relutante em aceitar o papel dos Cuidadores Informais e a existência de um Estatuto.
Ao mesmo tempo, são fechados dezenas de lares ilegais, sendo estes noticiados como o cancro dos maus tratos a idosos em Portugal. Ainda que, nos últimos anos se tenham multiplicado as denuncias e reportagens chocantes do que se passa nas instituições legais!
Foi constrangedor ver o Padre Lino, da CNIS, e o Dr. Lemos, numa audição Parlamentar, em plena pandemia, exigindo os agradecimentos dos deputados aos próprios
e a quem dirige as instituições porque, e passo a citar: “São pessoas que cuidam de pessoas!”, quando ativamente tudo fizeram para ostracizar os Cuidadores Informais.
Assim, mesmo que em dezembro tenha havido mais uma greve dos trabalhadores das IPSSs, lá vimos os mesmos a receberem honrarias… em tudo semelhantes às palmas que se oferecem aos profissionais de saúde para disfarçar os direitos que se lhes roubam.
Necessitamos, de facto, de uma Rede de Cuidados Públicos que nos defenda em todas as fases da vida; que lute pelos Cuidadores e contra o idadismo sem hashtags de gente que se aproveita para escalada social e que apenas disfarça, com discursos bonitos, o apoio à institucionalização instalada no nosso país.
Falamos de atos indecorosos que têm que ser rechaçados, sem espaço para mais delírios.
Os Cuidadores Informais estão cansados e merecem ser reconhecidos pelo que são: uma base sustentável de apoio essencial ao SNS e que poupa milhões ao Estado, evitando a institucionalização.
E é por isso que importunamos.
Rita Maia
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