A situação no Global Media Group, e sobretudo aquela em que se encontram os seus trabalhadores, ultrapassou já todos os limites do admissível e transformou-se mesmo num autêntico caso de polícia, que urge resolver rápida e eficazmente.
A audição parlamentar de José Paulo Fafe (à qual inicialmente se recusou a ir, numa inconcebível fanfarronice) serviu também para demonstrar aquilo que ele e os interesses que representa querem afinal, bem como os métodos que não hesita em seguir para atingir os seus mais que opacos fins. Na verdade, na audição, Fafe atacou e insultou tudo e todos (Jornalistas, ex-Directores, Presidente da República, deputados e até ex-confrades de negócio), usou da tão conhecida quanto lastimável técnica de alguns políticos e respectivos consultores de imagem/comunicação consistente em, de preferência em grande vozearia, dizer acerca dos outros aquilo que não quer que digam dele, e manipulou grosseiramente alguns factos, como, por exemplo, quando referiu o montante do seu vencimento oficial em termos, sem contudo o referir expressamente, líquidos (cerca de 4.500€ mensais) em vez de brutos (8.800€), para fingir ser de valor inferior ao real.
Mas são sobretudo três pontos essenciais que, ao fim e ao cabo, resultaram daquela audição:
1º Fafe escusou-se a identificar quem são afinal os beneficiários efectivos da operação de compra da Global Media Group, sob o pretexto de que não tinha de saber quem eram, pretexto este juridicamente inaceitável e que pode, no limite, conduzir à cassação da licença ou, pelo menos, ao impedimento do exercício dos direitos sociais, designadamente o de voto, do accionista de face encoberta, desde logo nos termos da lei da transparência dos órgãos da comunicação social.
2º Fafe não esclareceu qual o exacto destino das avultadas somas de dinheiro quer do alegado investimento de 4,5 milhões de euros que o World Opportunity Fund prometera fazer, quer das receitas realizadas pelas empresas do grupo no último trimestre de 2023 (e que se estima terem sido da ordem dos 16 milhões de euros), ao mesmo tempo que ele e a sua administração persistiam em não pagar quer os subsídios de Natal, quer os salários de Dezembro, quer as remunerações complementares aos trabalhadores do grupo.
3º Pela sua postura, Fafe demonstrou bem que, não obstante as graves irregularidades e ilegalidades cometidas, poderia perder alguns dentes, mas não iria nem irá nunca perder os intentos e por isso era expectável que continuasse a política da chantagem, do terror, do dividir para reinar e da falsidade.
Na realidade, chegou-se ao dia 15 de Janeiro e Fafe (que já tratara precisamente desse “dividir para reinar” procurando atirar uns trabalhadores contra os outros, elogiando uns poucos e desprezando e caluniando os restantes) fez finalmente pagar (embora com várias semanas de atraso) os vencimentos dos trabalhadores da TSF, do Açoriano Oriental, do Notícias Direct e da Gráfica Naveprinter, mas ostensivamente e sem qualquer esboço de justificação para tal, não os pagou aos trabalhadores do Jornal de Notícias, do Diário de Notícias e do Jogo.
Ora, o não pagamento pontual de retribuição e o assédio moral praticados por Fafe e Companhia constituem contra-ordenações muito graves e qualquer acto que, como aqui sucedeu, represente qualquer forma de coacção, prejuízo ou discriminação de trabalhadores pelo motivo de terem reclamado contra as suas condições de trabalho ou terem exercido ou pretendido exercer um seu direito, como é o caso do direito à greve, é mesmo susceptível de responsabilidade penal laboral.
Mas, mais do que essas responsabilidades laborais – de que a ACT já deveria ter tratado, fazendo as adequadas inspecções e desencadeando os competentes processos de contra-ordenação, e só muito recentemente os terá iniciado –, há as responsabilidades relativas quer à falta de transparência quanto à real titularidade e identidade dos novos donos da CMG, quer às diversas denúncias de pressões e de interferências editoriais, sobre as quais a ERC – que, finalmente, pareceu ter também despertado – há muito, de igual modo, deveria ter actuado, e desde logo de forma preventiva, ou seja, antes dos factos consumados.
Mas a mais basilar regra das investigações, quer jornalísticas, quer judiciárias e policiais, que já deveriam ter sido feitas, e a fundo, sobre este tipo de operações e seus agentes, ou seja, o elementar “follow the money!” (“sigam o dinheiro!”), não poderia deixar de conduzir a muito elucidativas revelações. Assim, importa que se saiba que Fafe e companhia – que tanto criticaram outros por alegados factos dessa natureza –, afinal, e para além dos seus chorudos ordenados de administradores (dos tais 8.800€ mensais), ainda recebem quantias da ordem dos mais de 1.000€ por mês a título de combustível (por vezes de gasolina e gasóleo supostamente para a mesma viatura!?…) e de via verde, enquanto o CFO tem abastecimentos de mais de 80 litros cada… Deve, portanto, guiar um Fórmula Um ou um camião….
Há, porém, algo muito mais grave, que, aliás, até já mereceu a atenção da Procuradoria-Geral da República: afinal, a receber substanciais transferências de dinheiro (da ordem das dezenas de milhares de euros) da Global Media Group, ao mesmo tempo que os trabalhadores desta não recebem salário, está toda uma miríade de empresas, todas da propriedade ou com ligações aos seus actuais administradores. O cúmulo do desaforo terá mesmo ocorrido a partir de meados de Dezembro, em particular em 15/12. Numa altura em que Fafe já não pagava os subsídios de Natal e ameaçava não pagar – como efectivamente não pagou – os salários de Dezembro, brandindo a coação do despedimento colectivo e da insolvência, ter-se-ão verificado, em 11 e 13/12, duas transferências, cada uma de 22.000€, para a sociedade “Páginas Civilizadas”, a tal de que, em 20/11/23, passaram a gerentes Fafe, Filipe Nascimento e Marco Galinha). Logo depois ocorreram, pelo menos, as seguintes transferências de capitais:
15/12 – 10.780€ para Diana Sousa Agostinho, mulher do ex-administrador Diogo Agostinho que saiu em Dezembro último;
15/12 – 32.287,09€ para a Connect 4G, do administrador Paulo Lima Carvalho;
15/12 – 28.228,50€ para a Pressco, do administrador e CEO José Paulo Fafe;
09/01 – 31.446,59€ para a NAX Consulting, de Filipe Nascimento, administrador e CFO da GMG.
Sabe-se ainda que terá havido, pelo menos, mais duas transferências, uma de 16.767€ para a Pressco, de José Paulo Fafe, e outra de 7.165€ para a Connect 4G, de Lima de Carvalho.
A Connect 4G Unipessoal, Lda. é uma sociedade por quotas, pessoa colectiva n.º 514258969, cujo titular e gerente, com uma quota de 5.000€, é o administrador da GMG Paulo Lima Carvalho. A Pressco, Lda. é uma sociedade por quotas, com um capital social de 31.000€, sendo 30.500€ da Fernandes Fafe, Consultoria Estratégica Unipessoal, Lda. (outra empresa de Fafe) e 500€ do próprio. A NAX Consulting, Lda., pessoa colectiva n.º 514549963, é uma sociedade por quotas cujos sócios são o administrador e CFO da Global Media, Filipe Nascimento, com uma quota de 3€ (sim, três euros) e a respectiva mulher e gerente, Teresa Cristina Nascimento, com uma quota de 1€ (um euro).
E com (mais) esta habilidosa cascata de empresas, os actuais administradores da GMG, com Fafe à cabeça, triplicam os respectivos rendimentos oficiais.
Em suma, na mesma altura em que a Administração de Fafe e companhia invocava as pretensas debilidades financeiras da Global Media e impossibilidade de pagar salários, os seus membros, através de empresas por si detidas ou tituladas, e sob a capa de pretensas prestações de serviços, teriam já embolsado bem mais de 100.000,00€!
E claro que os amigos desta gente também têm sido beneficiados. A Wonderlever Partners, de Luís Bernardo, que já tinha sido brindada com um recebimento de 18.450€ a 31/8, recebeu novo pagamento de idêntico montante a 31/10…
A culminar tudo isto, eis que, a 18/1, Fafe escolhe o exacto momento de uma reunião de trabalhadores para anunciar publicamente que não vai mesmo pagar os salários de Dezembro, ainda em falta, aos trabalhadores do Jornal de Notícias, do Diário de Notícias, do Jogo, do Dinheiro Vivo, das Revistas, da Global Imagem e dos Serviços Partilhados, até à decisão da ERC relativamente à aplicação do art.º 14º da Lei da Transparência, que pode conduzir à suspensão dos direitos de voto que Fafe representa, e até ao indeferimento ou cancelamento da providência cautelar intentada pelo accionista desavindo Marco Galinha.
Trata-se de um acto completamente ilegal, de miserável chantagem, visando obter que a ERC e os Tribunais não exerçam as suas competências e que, para não serem acusados de responsáveis pela fome de trabalhadores sem pão para a boca, deixem libertos e impunes José Paulo Fafe e quem ele encobertamente representa e defende. Mas a verdade incontornável é que o não pagamento ostensivo de salários, a produção intencional de gravíssimos danos materiais e morais e a prática de chantagem pela ameaça de um mal ilícito já não são só umas meras irregularidades ou contra-ordenações laborais ou administrativas. São, sim, crimes, e crimes graves, previstos e punidos pela lei penal, cujo autor, se não vivessemos numa autêntica “república das bananas”, já deveria estar a contas com a Polícia!
Violações múltiplas e muito graves da Lei (quer a do Trabalho, quer a da Imprensa, quer a da Transparência), uma opacidade total da operação financeira executada e dos seus reais benefícios, o saque desenfreado dos recursos da empresa em detrimento dos seus primeiros e mais privilegiados credores, que são os trabalhadores, em benefício dos administradores e seus amigos… De que estão à espera as diversas autoridades oficiais para, no exercício das suas competências e no cumprimento dos seus mais basilares deveres, reporem a legalidade grosseiramente violada, porem cobro a este desmando e sancionarem os seus responsáveis?
Perante o desvario e consequente desastre da “gestão Fafe”, e no habitual cenário das ratazanas que, perante o iminente naufrágio, abandonam precipitadamente o navio a afundar-se, ontem, 5ª fª, à noite, dois administradores e membros da Comissão Executiva (Paulo Lima de Carvalho e Filipe Nascimento, este administrador do pelouro financeiro) apresentaram a renúncia aos respectivos cargos, alegando justa causa por não estarem reunidas as condições mínimas para o desempenho dos mesmos cargos em virtude do total incumprimento das promessas feitas pelo Fundo representado pelo mesmo Fafe. O qual – tendo, numa recente entrevista ao Expresso, declarado “Eu saio sempre bem” – resta agora sozinho, agarrado ao leme da esburacada nau “Opportunity”…
António Garcia Pereira
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