A Renascença – A exaltação dos valores sobre-humanos
Escolhi escrever sobre a Escola de Atenas. Divirtam-se a pensar na evolução. Eu transportei-me para lá.
Venham comigo para dentro de uma história. De uma pintura.
Quantas saudades deste tempo em Atenas, na Renascença quando em 1511 – escolhi no concelho dos deuses do Olimpo vir como homem e passava os meus dias naquela sala – a Stanza della Segnatura – onde o Papa Júlio II assinava os decretos da Corte Eclesiástica.
Rafaello era ao tempo um jovem de vinte e um anos, com imenso talento (dizem as línguas sabedoras de mexericos que era dado ao amor com os homens, como aliás o eram quase todos os homens da época, incluindo Michelangelo, Da Vinci, padres, filósofos e outros).
Não se pense que por serem dados ao amor entre “Davide”´s eram “bff´s (até sobre o tamanho do sexo da estátua discutiram) nem iam às compras de pincéis, tintas e cinzéis juntos. Não, não, detestavam-se mesmo.
Quando não estavam absorvidos a criar, dedicavam-se à arte de mal-dizer nas costas uns dos outros como se vivessem na casa do big brother, numa série de escândalos da netflix ou a publicar insultos numa rede social, que eram muitas vezes as escadas de uma qualquer Igreja em Florença ou na praça do Vaticano em Roma.
Por isso ninguém pense que são as tecnologias e as redes sociais de hoje que fomentam a má-língua, os insultos e os “haters”. Ou que os “gays” só existem desde o século XX. Está tudo no adn da nossa evolução e tudo vem desde o pretérito mais que perfeito, ou se quiserem, ultra imperfeito.
Darwin que nos estudou e ofereceu a teoria da evolução da espécie sabia-o e ensinou-nos.
Mas voltando a esta obra de arte que escolhi, assinada por Rafaello (vi-a ao vivo – não o Rafaello mas a sala), ela representa o que me faz saudades.
Aqueles sim eram tempos e ali estão muito bem contados.
Começo pela fraca representação feminina na pintura. As mulheres (como disse o Chico Buarque na canção), vestiam-se para os seus maridos (e já sabemos que muitos eram gays), para eles banhavam-se com leite, imploravam atenção, “carícias plenas e obscenas” e outras cenas submissas. Não tinham “gosto nem vontade, nem sonhos”, apenas se “encolhem e recolhem nas suas novenas”. E lavavam as escadas, claro.
Nada de novo em Atenas, poderia ser o título da canção. Tirando Minerva, mas já lá vamos.
Enquanto Rafaello pintava esta sala, Michelangelo pintava a sala ao lado, a Capela Sistina. Sempre as figuras viris de poder e força com falta de útero. Não esqueçam que quem pagava era o Papa e nós sabemos o que já na época se passava dentro daquele convento.
Entrando na pintura da Escola de Atenas vemos a representação da harmonia e da sobriedade, da filosofia e do poder civilizador da Razão (o que nos falta hoje) com Apolo, Deus Sol segurando uma lira.
Rafaello copiava uma escultura de Michelangelo, “o Escravo moribundo” (já havia plágios e fusões).
Encontramos Minerva (finalmente uma mulher, padroeira do conhecimento e das artes). Ela preside à paz e à sabedoria (naturalmente uma mulher de Atenas).
No centro Platão explica a Caverna (símbolo da filosofia abstrata e teórica) apontando para cima, a Aristóteles (símbolo da filosofia natural e empírica) que lhe mostra com um gesto o que os rodeia. Os grandes filósofos do mundo clássico.
No lado esquerdo, Alexandre, O Grande, com um elmo a adornar a cabeça, escuta a análise e o questionamento – o cerne da filosofia de Sócrates (Shakespeare foi-lhe buscar a sabedoria com a sua questão “Ser ou não Ser”).
No lado oposto, Pitágoras lê. Estuda a sua famosa equação matemática (que ninguém que chumbou a aritmética como eu entende), cujos postulados geométricos (os quadrados dos catetos e o triângulo da hipotenusa recordam?) servem até hoje de ensinamento.
Solitário e triste, de mão no queixo e chorão está Heráclito( retrato também feito por Michelangelo) que já na altura chorava imenso de cada vez que pensava na estupidez humana. Coitado!
Outros filósofos se seguiram a pensar que esta não tinha limites. Eu às vezes junto-me ao grupo que pensa como Heráclito. Mas todos fazemos parte da mesma espécie logo, aguenta Heráclito!
Os retratos foram quase todos inspirados em homens da época, como forma de homenagear o grandes homens do passado com homens seus contemporâneos construindo assim uma ponte entre passado e presente.
Como exemplo, o retrato de Platão é inspirado em Michelangelo. Ódio e amor estão sempre próximos.
Ptolomeu, Euclides e Zaratusta também fazem parte do núcleo duro dos sábios (não esqueçam que às mulheres estava vetado o conhecimento), segurando o globo terrestre, até ali o centro do universo.
Por fim, o meu favorito, o pensador Diógenes esparramado nos degraus, esquelético, com uns trapos a parecer um sem – abrigo à porta da missão das missionárias dos pés descalços, este estóico que detestava posses materiais, óscares, entretenimento e after-parties (ignorou o convite de Alexandre para a sua coroação) e quando o rei o visitou querendo saber se podia fazer algo pelo filósofo ancião – este que sabia bem demais, rei e peão, no final do jogo, vão para o mesmo lugar – Diógenes disse-lhe sem usar o politicamente correcto
– “ Saia da frente do sol”.
É de homens destes que tenho saudades. Ou melhor dizendo, tenho saudades da evolução da espécie com vista a um Renascimento em que ninguém queira tapar o brilho do sol a ninguém. Claro que este texto tinha de ser político. “Tudo é política”!
Deixo um conselho artístico, quando forem ao Vaticano (podem em alternativa pedir à Rita Pereira que vá por vocês que são pobres e mostre um “live” no Instagram), não percam este momento alto da evolução.
As duas salas com os frescos mais bonitos da História humana. Levem uma garrafa de oxigénio porque ambas são de cortar a respiração.
Anabela Ferreira
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