Outra vez a TAP, é certo.
Sucede que a TAP é de enorme importância, sobretudo estratégica, para Portugal, mas está, e cada vez mais, em risco de ser vendida, ainda por cima a preço de saldo, a um dos grandes grupos internacionais da aviação civil(que pretendem, acima de tudo, controlar o “hub” de Lisboa ou até destruí-lo em benefício do de Madrid, e “deitar a mão” à fatia de mercados dos voos de e para os Estados Unidos da América e sobretudo para o Brasil e África).
Por outro lado, a TAP, os seus processos de privatização, de “renacionalização” e de reestruturação, e todas as medidas à sua sombra adoptadas, mostram bem que quem neles manda é a União Europeia e os interesses políticos, económicos e financeiros que ela serve, reduzindo a chamada “soberania nacional” a praticamente nada já que quase tudo tem de ser decidido ou autorizado por Bruxelas.
A TAP evidencia ainda, e de uma forma particularmente chocante, o modo como os diversos partidos do poder – e em particular os que, sozinhos ou coligados, foram Governo nos últimos 45 anos – encaram o sector público e os respectivos cargos, ou seja, como coisa sua e, mais, como um conjunto de “tachos” a distribuir pelos amigos (pessoais e políticos). Tudo isto falando sempre na idoneidade, no mérito, na competência, na experiência e até no interesse público, mas praticando precisamente o oposto.
A TAP é hoje, também, para já não dizer sobretudo, umautêntico laboratório das experiências laborais mais odiosas, ali se testando todo o tipo de medidas anti-trabalhadores, as quais, a terem êxito, serão – disso não tenhamos dúvidas – generalizadamente aplicadas a todos os restantes sectores e a todos os trabalhadores, entre as quais se encontram as seguintes:
– Destruição da contratação colectiva (seja pela sua suspensão por via da declaração da empresa em situação económica difícil, seja pela caducidade das convenções existentes e pela tentativa da imposição da respectiva substituição através de propostas ditas negociais, mas odiosa e provocatoriamente abaixo da lei);
– Utilização de um despedimento colectivo preparado com base em pressupostos falsos ou improcedentes(como, por exemplo, o da pretensa existência de trabalhadores “a mais” ou o da imposição de um “plano de reestruturação” que não é dado a conhecer a ninguém) para, em primeiro lugar, e pela força do medo, conseguir, mas sem o custo da imagem do despedimento, empurrar para a rua milhares de trabalhadores através de “rescisões de mútuo acordo”que nada têm nem de mútuo ou de acordo, e que contêm condições completamente desequilibradas sempre a favor da parte patronal. E, em segundo lugar,usar o despedimento para expulsar os resistentes que ousaram não ceder a esse tipo de chantagem.
– Imposição, em nome da crise e da necessidade de salvação da Empresa, de “soluções” normalmente proibidas por lei, como as dos abaixamentos dos salários e dos cortes dos direitos há longos anos adquiridos, ao mesmo tempo que aos administradores e gestores de topo são atribuídos todos os tipos de regalias (salários milionários, subsídios de toda a ordem, viaturas de topo de gama, prémios ditos de desempenho, etc., etc., etc.).
– Garantia de uma espantosa não actuação das autoridades independentes e das entidades reguladoras(ACT, ANAC, Ministério Público…) mesmo perante situações da mais gritante ilegalidade praticadas pela e na TAP, tais como as das operações de gravíssimo assédio moral levadas a cabo para obter a adesão de trabalhadores às famigeradas “RMA” (rescisões por mútuo acordo) até à contínua, acintosa e quase sempre impune violação das normas laborais (relativas, por exemplo, aos direitos da parentalidade, designadamente as dos Acordos de Empresa),passando ainda pela tentativa de institucionalizar e legalizar as violações do direito ao repouso dos tripulantes. E passando também pela absoluta inércia na investigação de tão obscuros quanto milionários negócios praticados à sombra da TAP e dos cargos nela ocupados, como os da compra da VEM, no Brasil, da compra dos novos aviões Airbus pelo Sr. Neeleman e Companhia e da anunciada mudança de instalações da Companhia para o Parque das Nações.
– A prática, tão reiterada e entranhada quanto sustentada e apoiada por todos os Governos, de uma gestão assente na opacidade, na mentira e no terror, desde logo tratando afanosamente de ocultar os termos e valores envolvidos (como no caso da ilegal “renúncia negociada” de Alexandra Reis e em anteriores rescisões de quadros de topo da empresa, de Abílio Martins a Pedro Ramos e João Falcato, por exemplo) mediante subterfúgios jurídicos comocláusulas ou estipulações de confidencialidade,absolutamente contrárias à transparência e ao estrito controlo que devem caracterizar a utilização de dinheiros públicos.
Depois, sustentando, intencionalmente, a falsidade, seja mentindo aos trabalhadores, à comunidade em geral ou às próprias entidades reguladoras, como sucedeu nos casos dos voos cancelados por falta de pessoal, quer do Voo, quer da Manutenção, bem como nos das contratações, de atribuição das viaturas de luxo para os gestores de topo e da indemnização milionária paga a Alexandra Reis, seja através de operações de “limpezas de imagem”, das festarolas às campanhas promocionais plantadas na Comunicação Social por agências de comunicação pagas a peso de ouro, mas com valores sempre criteriosamente escondidos.
Finalmente, impondo no seio da Empresa um ambiente de terror, procurando impor a “lei da rolha” e impedir fugas de informação, e que passa pelo contínuo e pidesco “varrimento” das redes sociais em busca de dados e elementos sobre trabalhadores que possam servir de pretexto à sua perseguição, à aplicação da sanção disciplinar do despedimento e àcontínua e permanente ameaça de procedimentos disciplinares e criminais contra os que ousem trazer à luz do dia algum dos contínuos desmandos praticados pela Administração de Madame Christine e Companhia. E também a persistente utilização do assédio moral – como está agora mesmo a suceder com os tripulantes de cabine, em especial mães que prestam assistência a filhos menores, vergonhosamente chamados à respectiva Direcção(DTC) para aí serem pressionados a abdicar dos seus direitos ou a saírem da Empresa.
Uma organização onde o terror e a mentira se tornamassim habituais ferramentas de gestão está, disso não tenhamos dúvidas, condenada a desfazer-se mais tarde ou mais cedo. Mas, entretanto, quem tinha de ser despedido já o foi, e quem podia e pretendia encher os bolsos já os encheu!…
É por tudo isto que, muito em particular para aqueles que nesta altura surgem a proclamar que não será bem assim, que a TAP precisa é de “paz social” e não de comentários alarmistas ou posições incendiárias e que esta Administração até está a ter lucros e por isso nos deveríamos calar, julgo ser importante sublinhar onde chegou esta gestão e esta política e quais as respectivasconsequências.
Os sucessivos e obscuros negócios da TAP
Para não ir mais longe, impõe-se então recordar que, no maior secretismo dos respectivos termos e condições, a TAP foi posta a adquirir em 2006 a totalmente falida empresa de manutenção da Varig (a VEM) num “negócio”que significou um prejuízo acumulado de centenas de milhões de euros para o grupo TAP e também o pagamento de uma nunca esclarecida comissão ou prémio de venda de 4 milhões de euros à intermediária da operação (a Geocapital, empresa de Stanley Ho, administrada por um dos grandes amigos de António Costa e nomeado depois por este para a Administração da TAP, Diogo Lacerda Machado). E aparentemente ninguém, incluindo o sempre tão proficiente Ministério Público, conseguiu ver nada de errado neste clamoroso esbanjar de dinheiros públicos!…
Aquando da privatização da TAP, em 2015, e para além de outras singularidades (como a da constituição de uma empresa fantasma, a Atlantic Gateway, com um “testa de ferro” português, Humberto Pedrosa, para permitir a um predador financeiro como David Neeleman tornear a proibição, constante dos normativos comunitários, de um cidadão extra-UE poder ser titular de uma companhia de aviação europeia), foi divulgado que Neeleman terá chegado a um acordo (secreto, claro está), com a Airbus.Esta tê-lo-á financiado em 70 milhões de euros para a apresentação ao concurso da privatização, permitindo-lheassim fazê-lo sem gastar um cêntimo do seu próprio bolso, e, em troca, Neeleman alterou a encomenda de aviões, anteriormente feita pela TAP, de 15 (A-350) para o astronómico número de 53 (14 A-350-900Neo e 39 A-320 e A-321 Neo), e, mais do que isso, adquiridos a preços em média superiores em 20% a 30% relativamente aos preços normais de mercado!? Tudo isto sem que ninguém, incluindo o mesmíssimo Ministério Público, tivesse querido perceber que um tal tipo de negócio obscuro, para além de um brutal e totalmente injustificado endividamento da TAP, só pode significar a existência de “luvas” ou “comissões” que alguém terá andado (e/ouainda agora andará) a receber…
Depois de uma lastimável e até ridícula situação em que o Estado, embora formalmente detentor de uma participação de controle da TAP, na verdade nada geria nem controlava por tais poderes estarem, por meio de encobertos acordos parassociais, atribuídos aos privados (que assim puderam, por exemplo, salvar a Azul da falência iminente em que estava, vampirizando a TAP e pondo esta a adquirir aviões à mesma Azul ou a fazer-lhes a manutenção ou a entregar-lhe inúmeras rotas como as do Brasil), com o processo da “renacionalização”, António Costa, o seu Governo, em particular o ministro Pedro Nuno, asseveraram, com grande pompa e circunstância, que o país necessitava deuma “companhia de bandeira” e que tinha finalmente retomado o seu controlo. Tudo isto para afinal, e mais recentemente, serem forçados a reconhecer que o seu verdadeiro objectivo era e é o da acelerada privatização da TAP com a respectiva venda, ainda em 2023, a um dos tais grandes grupos internacionais da aviação civil.
Como foram escolhidos e como são pagos os administradores da TAP?
Esses mesmos responsáveis políticos também anunciaram que iriam contratar para a TAP uma equipa de gestão “de excelência”. Mas aquilo que procuraram e conseguiram foi que fosse aprovado em Conselho de Ministros, promulgado pelo Presidente da República, referendado pelo Primeiro-Ministro e publicado no Diário da República (tudo no mesmo dia 16/07/2020) um diploma legal que muito significativamente dispensa a aplicação aos gestores da TAP do disposto no art.º 12.º. n.ºs 3 e 5 (requisitos dos gestores) e do Capítulo VI (remunerações e pensões) do chamado Estatuto do Gestor Público. Quer dizer, o Governo do Sr. António Costa tratou de garantir, de forma tão rápida quanto convenientemente disfarçada, que poderia designar para esses cargos quem bem quisesse, sem estar sujeito aos requisitos legais de idoneidade, mérito profissional, competência, experiência de gestão e sentido de interesse público e podendo livremente atribuir-lhes os astronómicos salários, benefícios e pensões que bem entendesse. E também isto, convenientemente ocultado, passou despercebido!…
Ora, e desde logo contra a opacidade e a mentira com que se tem tentado encobrir este tipo de matérias, é preciso mesmo esclarecer quais as remunerações de base dos administradores da TAP, sem contar com os outros significativos valores que eles recebem, tais como subsídios (designadamente de alimentação, de residência, de escola dos filhos), seguros, despesas de representação, automóveis topo de gama, etc.), e que em 2021 eram,segundo o Relatório do governo societário do grupo TAP daquele mesmo ano, os seguintes:
Administradores Executivos | Salário-base Anual declarado | Salário-base Anual (sem cortes) |
Christine Ourmières-Widener(Presidente da Comissão Executiva) | Administradores Executivos | 720.000€ (51.428€/mês) |
Gonçalo Pires | 245.000€ (17.500€/mês) | 350.000€ (25.000€/mês) |
Alexandra Reis | 245.000€ (17.500€/mês) | 350.000€ (25.000€/mês) |
Silvia Mosquera Gonzalez | 245.000€ (17.500€/mês) | 350.000€ (25.000€/mês) |
Ramiro Sequeira | 245.000€ (17.500€/mês) | 350.000€ (25.000€/mês) |
Administradores Não Executivos | Salário-base Anual declarado | Salário-base Anual (sem cortes) |
Manuel Beja (Presidente do Conselho de Administração) | 117.600€ | 168.000€ |
Estes são, pois, os excelsos administradores da TAP que, ao mesmo tempo que ganham centenas de milhares de euros por ano, se arrogam continuar a exigir ainda mais sacrifícios aos trabalhadores da Empresa, a cortar-lhes salários, a destruir-lhes a contratação colectiva e a extinguir-lhes os direitos mais básicos!
As sucessivas mentiras da Administração da TAP
É hoje absolutamente inquestionável que a Administração da TAP, a Comissão Executiva e a sua Presidente, Christine Ourmières-Widener, têm faltado repetida e intencionalmente à verdade.
Mentiram quando a Presidente, em 04/02/2022 informou falsamente o mercado, a CMVM e os trabalhadores da TAP de que Alexandra Reis saíra da Empresa por merarenúncia ao cargo. Mentiram quando, estando em causa a atribuição de 79 viaturas de topo de gama (50 a administradores e gestores da TAP e 29 aos das outras empresas de grupo) a mesma Presidente tentou enganar os trabalhadores e a opinião pública, afirmando, maliciosamente, serem apenas 50. Mentiram quando vieram afirmar que com eles na Administração os gestores de topo tinham diminuído de número, quando afinal se veio a apurar terem aumentado 51% (de 39 para 63)!?Mentiram por escandalosa omissão quando se mantiveram em silêncio durante dias procurando assim impedir o esclarecimento dos factos após a pública denúncia do valor da indeminização paga a Alexandra Reis, tendo depois sido humilhantemente forçados pela CMVM a fazer nova comunicação ao regulador e ao mercado.Mentiram quando, perante o conhecimento do negócio do arrendamento (por 4 mil milhões de euros anuais) do edifício Báltico no Parque das Nações, vieram invocar que Sofia Lufinha só teria entrado para a TAP em Setembro de 2022 e que a decisão em causa fora já tomada meses antes, quando afinal a mesma Administração informara, por comunicação de 26 de Abril, que a senhora em causa já fora então seleccionada para ser o novo membro da Administração e da Comissão Executiva!?
É evidente que todas estas acções e omissões lesam, e de forma absolutamente irremediável, a relação de confiança que deve existir com os trabalhadores, com os accionistase com a tutela governamental. E se fosse um dos trabalhadores da TAP a praticar uma décima parte destas condutas já há muito que a Administração o teria despedido.
Demissão e investigação
Caem administradores, ministros e secretários de Estado e, no entanto, uma Presidente de Comissão Executiva, que actua com violação, claríssima e repetida, da lei e dos deveres que lhe incumbem enquanto gestora pública,mantém-se, aparentemente, de pedra e cal, numa manifestação de pesada e ultrajante opacidade e impunidade, bem presentes na ostensiva e provocatória reincidência.
Tudo isto não pode deixar de colocar a questão de quais serão as suas verdadeiras razões. De quem é afinal a decisão de nomeação da Madame Christine? É do ministro da tutela, do Primeiro-Ministro ou da Comissão Europeia? O que sabe a senhora e acerca de quem? Qual é, afinal, o valor da “cláusula de rescisão” de Sua Excelência, já que, manifestamente, os governantes que temos jamais admitirão reconhecer o próprio erro da sua nomeação e as gravíssimas falhas da nomeada?
Mas, independentemente do integral apuramento dessas mesmas razões, dúvidas não podem já restar de que os administradores da TAP, a passar por Madame Christine, já deveriam ter sido, e desde há muito, demitidos, e tal demissão constitui hoje uma elementar medida profilática e de sanidade pública e, mesmo, uma basilar imposição democrática.
E claro que se impõe também essa outra exigência cívica e democrática de que sejam exaustivamente averiguados, esclarecidos, divulgados e auditados, por uma entidade independente e idónea, todos os contratos celebrados pela TAP, pelo menos nos últimos dez anos, e respectivosmontantes e encargos financeiros, desde os das contratações de administradores e de gestores ou dirigentes de topo, bem como de todos os benefícios a eles atribuídos, até aos de prestação de serviços jurídicos, informáticos, de fornecimento de mão-de-obra, de manutenção e reparação, passando ainda pelos relativos à aquisição de equipamentos, desde logo de aeronaves, e aos ACMI (Aircraft, Crew, Maintenance and InsuranceContracts).
É que (só) assim se poderá saber com clareza onde, em que bolsos e por decisão de quem, têm andado as enormes somas de dinheiro dos contribuintes portugueses investidas na TAP.
Quem tem medo de que se descubra a verdade?
António Garcia Pereira
[…] 12/01/2023 – TAP – Quem tem medo de que se descubra a verdade? […]
O que mais nos deixa atónitos é o facto de nenhum dos poderes de controle, prévio ou posterior, da legalidade dos actos descritos ter intervindo eficazmente neste tempo todo e neste modo infame de gerir a TAP.
O Dr.Garcia Pereira , sabendo o que sabe, não deveria escrever uma carta aberta ao Presidente da República, denunciando, sem exagerada adjectivação ( cuja justeza e propriedade não discuto…), os factos principais deste filme de terror e saque ?
E não deveria também exigir que todos os órgãos da CS que se auto-intitulam de decentes, em particular as televisões, não falassem noutra coisa durante dias a fio?
É verdade que o país não é só a TAP e os seus desvarios. Mas seria um óptimo lugar por onde começar, para tentar pôr o pobre povo a pensar a sério em exigir que lhe prestem contas
Há tripulantes em tribunal que esperam ser chamados a TAP que tenha atenção nisso e parece estar a formar TRIPULANTES tendo já muitos preparados para entrar
Não os metam rapidamente nas prisões, e vão ver que não tardará que a TAP tenha que cortar as asas aos aviões. Rima e é verdade !!
A história de Portugal é uma sinfonia de casos semelhantes.
É triste, mas continuarão e a tendência será piorar.
Dr. Garcia Pereira continue.
Sempre certeiro, acutilante, objetivo e “sem papas na língua” … uma vergonha ao estado a que chegou a pobre democracia deste país, um descrédito total … sem que os responsáveis sejam chamados e responder criminalmente pelo constante saque e ultraje às suas instituições e à rés publica!!!
Brilhante e esclarecedora intervenção.
Faltou apenas falar na obrigatoriedade que a Tap teve, na aquisição da falida Portugália, a quem pertencia, a frota completamente obsoleta que teve de ser renovada a 100%, quem detinha participações nessa mesma empresa…
Cumprimentos