Texto sobre filhos da puta (por Anabela Ferreira)

apresentaçãoAo vírus da gripe que me tomou de assalto juntei-o ao vírus da escrita. Esta é a recolha nos destroços.

Os filhos da puta assentaram praça na ilha…

Filho da puta é sinónimo de ser desprezível, sem carácter (dicionário Priberan). Ser. Nada tem a ver com uma mulher que vende o corpo para sobreviver.
O que faz um filho da puta? Faz algumas tarefas bastante boas, até importantes e notáveis.
Uns são absolutamente irrelevantes. Outros passam totalmente despercebidos aos olhos das tribos onde nos movimentamos.
Alguns mostram o poder de destruir a humanidade, de a manter em guerra permanente, de levar à miséria países inteiros, homens, mulheres, crianças. Conheço alguns nomes…

Somos hoje dois mil e quinze anos depois de Cristo ser visitado pelos Reis Magos, pouco mais que os sub-desenvolvidos homens das cavernas.
Matamos por território, por cargos políticos, corrompemos e somos corrompidos por um papel a que chamamos dinheiro e serve para comprar coisas, coisas essas que servem para fazer outros terem inveja de nós, matamo-nos a trabalhar para comprar essas coisas e matamos outros para comprar essas coisas.
Matamo-nos uns aos outros por “amor”, por ódio, por Deus, por ciúme, por inveja, por dinheiro, fruto da ganância.
Sobretudo pelo supremo sub-desenvolvimento : a ambição desmedida pelo poder.
Porque uns filhos da puta tiveram o trabalho de nos conduzir a esta estrada. E o bom rebanho,seguiu-a.

No final gostamos desta vida. Haverá algo mais sub-desenvolvido que este esquema em que nos colocámos de livre vontade ou contra vontade mas achamos que é o melhor que existe no aquário onde vivemos, no vasto oceano da vida?
É por todas estas razões que muitos nas diversas áreas da vida são uns excelentes filhos da puta.
Os que fazem tarefas desprovidas de importância, irrelevantes, os que passam sem se fazer notar aos que têm valor, relevância e sobretudo poder de dominar através do dinheiro, ou da posição social/classe, todos podem ser verdadeiros filhos da puta sub desenvolvidos. Alguns que não são desejam ser.

Até o amor é um terrível murro no estômago. É tantas vezes filho da puta. Deveria ser a maior expressão humana, talvez a que já trazemos nuns elos do ADN.
No entanto ele possui e deixa o ser dominado, fácil de manobrar, sem nada poder fazer senão invejar-lhe a capacidade de posse e sentir-se a vitima incapaz de um sentimento. A nossa suprema inveja por não sermos capazes de o possuir é também fruto do síndroma de subdesenvolvimento.
No entanto nem esse sentimento sabemos usar devidamente. Colocamos barreiras, construímos fronteiras, erguemos muros e quase nunca pontes, quais seres sub desenvolvidos iguais aos filhos da puta.
Há também filhos da puta amorosos, os cordeiros mascarados e esses são a parte mais desprezível do sinónimo.

Como a maioria de nós está tão desfasada entre ser, o que faz, ou o que se é de facto, encharca-se em medicação, mata, torna-se louco patológico.
Já nem de si próprio se consegue libertar, já nem se consegue a si próprio suportar.

Hoje a norma é ser um filho da puta. Individualista e empreendedor da sua própria filha de putice. Para enganar os outros e salvar a própria pele. Ou esquecer que os outros são meras representações de quem se quer fugir. De si próprio.
É-se filho da puta porque sim, sem mais razões. Porque se mergulhou no conceito carcereiro e se interiorizou o mesmo. É um amante obsessivo e compulsivo, levando o outro amante à beira do dito popular: salve-se quem puder.
Talvez precise de redenção e salvação. Vá-se lá saber de quê ou de que filho da puta ainda maior.

Veja-se o novo filho da puta, o próprio Isis…os filhos da puta, como quase todos os que assumiram a tarefa de dominar, porque assim entendem, querem recrutar filhos da puta para declarar um estado de qualquer coisa ligado a um credo que inventaram.
Será que posso participar depois de tomar o meu chá e ver a novela das oito? Depois de tirar um curso intensivo?

Há filhos da puta em todo o lugar, em todo o lado, classes, famílias, tribos, cores, lugares de poder bem como a desempenhar diversas funções e tarefas.
Porque são filhos da puta assumidamente empreendedores do próprio sucesso.

Parece que demos um nó! Este planeta é o lugar ideal para filhos da puta. Juntaram-se cá todos. Deve dar um trabalho imenso ser filho da puta, mas para alguns compensa.
Às vezes não dá trabalho algum porque há filhos da puta que já nasceram assim.

Como é que se sai desta ilha? Para quando o final da série? Ou morreremos quando os filhos da puta deixarem de ser filhos da puta?
Afinal quem queremos verdadeiramente ser? Para nós e, com os outros?
Eu nada sou sem os outros e os outros não existem sem mim. Então se precisamos uns dos outros para a sobrevivência básica qual a razão de deixarmos que os filhos da puta nos ultrapassem e mandem em nós (assumo-me não filha da puta, rodeada por eles, ao mais alto nível e em luta permanente contra eles).

O que fazemos pouco importa. O que eu faço na vida para me sustentar pouco importa à vida, aos outros, a mim. Conta sim, quem eu sou, nos confrontos da e com a vida, com e para os outros mas sobretudo para mim própria.
A verdadeira razão de eu ser uma louca estável é ter a sorte de estar rodeada de uma autêntica rede de autênticos filhos de uma mãe verdadeiramente digna, que ensinou o valor de sermos todos permanentemente essenciais uns aos outros.

Como se sai desta ilha?
Não me sobram ideias geniais porque não sou génio, nem tenho uma lâmpada. Tão pouco sou uma filha da puta ou poderia ter de imediato uma solução. O que faço é o que posso dar como exemplo. Sentem-se e pensem. Ouçam o silêncio. Olhem o que vos rodeia. Semeiem. Esperem. Ouçam a sabedoria dos velhos. Da natureza. Ajudem-se uns aos outros. Não deixem que vos transformem em em mais uma ovelha do rebanho. Lutem, leiam, lutem pela vossa vida e dos outros.
A realidade é de prisão na ilha. Por isso não nos podemos submeter aos filhos da puta. Porque o mar está à mão de colher insubmissos.
Em conjunto construa-se uma jangada e mande-se paulatinamente os filhos da puta à puta que os pariu.

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