Em Portugal temos a sublime habilidade de estragar o que funciona bem, temos feito isso ao longo dos anos e não há forma de aprendermos.
Veja-se o já longínquo exemplo das rádios locais, quando há 30 anos o governo, com a alteração à Lei da Rádio, legislou a atribuição de frequências às rádios locais. De forma incompetente como é, cada vez mais, apanágio do legislador, não acautelou que as rádios locais deviam ter dimensão verdadeiramente local. Deviam ser rádios dedicadas à população que serviam, rádios que serviam essas populações e lhes faziam chegar informação local e regional. No fundo e muito resumidamente, as rádios locais prestavam um serviço público essencial, necessário e muito importante às populações.
O legislador, destruiu em absoluto este serviço público abrindo a porta aos grupos económicos que começaram a colecionar frequências, repicando na frequência local o sinal das nacionais, permitindo que interesses mais ou menos obscuros, como por exemplo algumas igrejas, comprassem frequências para venderem os seus sermões, permitindo que alguns detentores de frequências pudessem simplesmente colocar uma playlistsem qualquer tipo de serviço local apenas com o objectivo de manter a frequência na tentativa especulativa e gananciosa de a vender mais tarde por umas valentes centenas de milhar de euros.
Podia-se pensar, até mesmo acreditar, que com exemplos de asneiras anteriores o legislador fosse desenvolvendo alguma capacidade de aprender com os erros ou, pelo menos, acautelar erros. Doce e triste ilusão quem acredita que o legislador aprende, no fundo apenas mudam as moscas porque a… … o legislador é o mesmo.
Mas este texto não serve para falar de rádio, sobre a rádio muito mais teria para escrever que um singelo texto, serve para falar sobre transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica. Certamente já tropeçaram em veículos com umas suspeitas letras penduradas nos vidros, TVDE, certamente alguns interrogaram-se sobre o significado de tais letras, pois bem, é esse mesmo transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica.
Começa aqui a bestialidade do legislador que resolve caracterizar com um autocolante uma viatura e depois tem a distinta lata de lhe chamar descaracterizada… Burros!
Vai mais longe a aselhice, entendeu o legislador, por pressão do sector do táxi que, os motoristas TVDE tinham de passar por uma formação para aprenderem, sabe-se lá o quê. Quer dizer, eu não sabia, mas começo a desconfiar que é para aprenderem a ser taxistas.
Quando os TVDE (chamo-lhes assim para não fazer publicidade a nenhuma plataforma) eram “ilegais” a malta que a eles recorria viajava efectivamente numa viatura descaracterizada, viajava conduzida por um motorista que obedecia a um código de conduta, definido pela plataforma, que ia desde o vestuário, passando pelo interior do carro e terminava no próprio diálogo entre o motorista e o passageiro. Trocando isto por miúdos, o motorista TVDE usava fato, não tinha mais que um equipamento electrónico no tablier do carro e, além disso, cumprimentava o passageiro, perguntava se a temperatura no interior da viatura estava agradável e nada mais, a não ser que o passageiro fosse conversador e, a partir conversavam.
Esta era a versão “ilegal” dos TVDE, vamos agora à versão legal!
Nos últimos dias, fruto dum percalço mecânico, tive de recorrer com alguma regularidade aos TVDE e, desagradável surpresa não gostei da “ubertaxicação”, desde motoristas vestidos como veraneantes a caminho, ou de regresso da praia, a um motorista que tem uma enorme caixa acrílica no separador dos bancos a agradecer gorjeta que é muito apreciada mas não obrigatória, a tabliers carregados de telemóveis, passando pelos irritantes autocolantes espalhados em todo o lado a dizer que é proibido fumar, continuando pelo motorista que pragueja sozinho contra o telemóvel que “cada vez entende menos”, já para não voltar a repetir a caracterização da viatura supostamente descaracterizada.
Pensei com os meus botões que seria, talvez, mau feitio da minha parte, estava irritado com o tal percalço mecânico que me tinha apeado e estava a virar a mira de tiro para os TVDE. Pensei isso, mas aparentemente pensei mal. Se nas primeiras viagens o pensamento era apenas meu e com os meus botões ao fim de algumas viagens há uma voz que se junta à minha com a pergunta “Pai, isto está a ficar muito parecido com os táxis não está?”, tentei ser conciliador explicando-lhe “não Filha, é muito melhor. É verdade que tem autocolantes irritantes, que a viatura descaracterizada já não o é. É verdade que já apanhámos um motorista a praguejar e outro com um aquário no meio do carro, mas pelo menos os carros são todos novos, o preço continua a ser muito melhor que os táxis e melhor ainda, esta sim a grande vantagem, os motoristas não passam o caminho a falar do tempo ou do Benfica!”
Triste sina a minha, no TVDE seguinte, depois do “boa tarde” da praxe apanhamos um motorista que além de se julgar mais inteligente que o GPS ainda não tinha andado 500 metros e sai-se com um “Já viu este tempo? Eles diziam que ia chover, mas até agora nada. Bem falta faz a chuva, mas assim não… … … …”, desliguei a ficha e fui sobrevivendo o resto da viagem a conta duns “pois, pois”, “é isso é”, já atenvendo que no final da viagem ia ouvir a sonora (e sempre saborosa) gargalhada vitoriosa da minha Filha, afinal isto está mesmo a ficar como os taxis
Já só vejo 3 vantagens nos TVDE, os carros são novos, não menos importante, limpos, o preço é muito melhor e felizmente ainda não apanhei nenhum motorista a falar do Benfica.
Irraaaaaaa parem lá de legislar e destruir o que funciona bem!
Viva o sector desregulado. Abaixo a “ubertaxicação”!
Jacinto Furtado
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