O ano de 2015 ainda agora começou mas já promete ser tempo de inspiradas crónicas e de notáveis descobertas científicas, por parte dos grandes plumitivos da nossa praça, no grupo dos quais pontifica, por méritos consabidos e sempre desempoeirados, esse grande educador do povo, que é o arquitecto José António Saraiva.
Começou ele então, o ano, logo no primeiro dia, para não perder tempo, com uma erudita crónica denominada “Ganhar no Euromilhões”, onde defende a tese de que o dinheiro só traz infelicidade e que a pobreza é um salvífico estado de pureza que todos devemos almejar, porque, apesar de não o ter dito, todos nós sabemos, que: ”É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos céus”. (Evangelho segundo S. Mateus, 19:24).
Nessa senda, escreveu Saraiva na referida crónica, e passo a citar:
“Um dia escrevi que, caso tivesse 100 milhões de euros para distribuir, entregá-los-ia a Belmiro de Azevedo – que com eles poderia fazer num ano outros 100 milhões (passe o exagero). Se, inversamente, entregasse 1 milhão de euros a 100 pobres, ao fim do mesmo tempo o dinheiro teria desaparecido e eles estariam tão pobres como antes e muito mais infelizes.”
Eu, depois de beber duas taças de champagne da Bairrada, que a crise aperta, e não há verba para champagne francês, até me soube melhor, o líquido a escorrer pela garganta abaixo, porque achei que já estava a cumprir zelosamente os conselhos do arquitecto Saraiva e, quando dei votos de Bom Ano Novo aos meus amigos, foi com excelente convicção de que 2015 vai ser um ano cheio de felicidade. A sério. Vejamos:
Se os impostos subirem e ficarmos mais pobres, que ninguém proteste, porque ficamos mais felizes! Se nos cortarem no ordenado, batam palmas, porque vai ser um êxtase de tal ordem que iremos urrar de alegria e saltar a pés juntos para a outra margem do Tejo, sem passar pela ponte e pagar a portagem.
Se os combustíveis baixarem, vamos ficar tristes como a noite, com mais uns cêntimos na algibeira, e não sabendo o que fazer com tal riqueza inesperada, só a poderemos destinar para pagar a consulta no psiquiatra da esquina mais à mão para que nos cure da depressão.
Se o Coelho e o Cavaco nos vierem falar de sacrifícios, e de um ano difícil, iremos seguramente dizer que não sabem o que dizem, porque não vemos como pode ser difícil o Ano quando o que nos estão a prometer é a felicidade para todo o sempre!
Eu, como já apreendi, com pouco esforço, diga-se passagem, o catecismo do Saraiva, estou com o maior espírito de caridade cristã, cheio de pena dos velhos multimilionários deste país, a começar pelo Eng. Belmiro, pelo Amorim da cortiça, e pelos novos 10000 milionários que surgiram em 2014, segundo notícia recente. Vou rezar dois terços pela alma deste séquito de infelizes pecadores, que tiveram o azar de tanto pecar que acabaram por enriquecer!
O arquitecto Saraiva, ainda por cima, tem pequenos ódios de estimação: diz ele que, se tivesse 100 milhões, os mandava direitinhos para o Eng. Belmiro. Ora, isto só revela que o arquitecto detesta mesmo a sério o Eng. Belmiro, o qual se vê aflito com tanta infelicidade que lhe vai na alma devido à sua enorme fortuna, e ainda ia ficar mais infeliz por ter que carregar às costas com mais 100 milhões.
Haja decoro, ó arquitecto. Não se trata assim, alguém que se farta de penar sob o peso dos milhões a escorrerem-lhe pelas botas abaixo. Mas ficamos a saber mais: que não são só o tal amigo do Sócrates, o Santos Silva, nem o tal construtor civil, o José Guilherme, que são almas capazes de grandes liberalidades. O arquitecto, bate-os aos pontos: ele não dava nem 23 milhões, nem 14 milhões, ele ia logo para os 100 milhões, direitinhos para o Eng. Belmiro, para lhe fazer a vida negra, ficando o homem infeliz para sempre, até ao caixão.
Como em todas as fábulas, também nesta há quem esteja a sorrir tão docemente, com a felicidade a escorrer pelas colarinhos da camisa abaixo, a gravata a ficar impregnada de maná dos céus. Ele é o Dr. Ricardo Salgado, que ainda não é feliz a cem por cento, mas que está a caminho de uma beatificação anunciada. Ele, ele que durante anos foi a pessoa mais infeliz do país, o mais infeliz de todos cá no burgo, está a caminho da redenção e prepara-se para debandar a porta dos Céus, aspergido por música celestial, e com direito à guarda de honra do arquitecto Saraiva vestido de arcanjo Gabriel. Agora sim. Agora o Dr. Ricardo, está em vias de atingir o nirvana, e olha para trás com satisfação, por se ter livrado a tempo dos milhões todos que lhe faziam da vida um inferno e da eternidade uma quimera.
Por tudo isto, tenho que agradecer ao arquitecto Saraiva, ter percebido finalmente a profundidade daquele célebre pensamento do deputado Montenegro: “A vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor”. Ficou tudo claro agora: a vida das pessoas está mais chata por falta de emprego, por quebra dos salários, por cortes nas reformas, enfim pelo empobrecimento que lhes foi imposto. Mas o país, o país na bitola do Montenegro, que deve ter tido acesso às epístolas do arquitecto Saraiva muito antes de nós, está muito melhor porque está prenhe de felicidade a transbordar pelos poros todos da epiderme.
Finalmente, e para provar que percebi a fundo esta profunda teoria do arquitecto sobre os malefícios da riqueza, recordei-me dos tempos em que o País era uma espécie de paraíso na terra, com casinhas brancas, pão e vinho sobre a mesa, quatro paredes caiadas.
Eram mesmo outros tempos. Depois quisemos caminhar para a desgraça, para a infelicidade coletiva, foi a EFTA, a CEE, o EURO. E entrámos nessas jangadas todas, trocando a felicidade que tínhamos e cultivávamos por essa rendição aos materialismos demoníacos e ao vil metal consumista.
Em jeito de registo final, menos jocoso, agora. Caro arquitecto Saraiva, você se não existisse tinha que ser inventado. Você é, de facto, um grande pensador e educador das massas populares, a quem receita folia na miséria, já que o seu puritanismo lhe não permite receitar orgia, numa alusão, à conhecida obra, 1984, de George Orwell, em que eram esses os ingredientes para estupidificar o povo.
Eu para si, receito-lhe a Amália e uma Casa Portuguesa.
Afinal, a sua teoria já não nova, porque há mortos que, de quando em quando ressuscitam:
“A felicidade é um estado de satisfação da alma, expressão de harmonia total entre as nossas aspirações e as realidades da vida. E por isso julgo mais simples atingir a felicidade pela renúncia do que pela procura e satisfação de necessidades sempre mais numerosas e intensas. A busca da felicidade exige, com efeito, supomos nós, um contínuo estado de insatisfação” (António de Oliveira Salazar, in “Férias com Salazar”, de Christine Garnier, 1952).
(*) Nota da Redacção: Estátua de Sal é pseudónimo dum professor universitário devidamente reconhecido pelo Noticias Online.
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Estou farto destas ovelhas negras xonés josés. E é director de um semanário? como é possível?
Voltamos ao 24 de Abril e ainda poucos se aperceberam disso. Salazar tem mais adeptos do que se imagina. Pobre Portugal. Mas vou regozijar-me porque sinto-e cada vez mas pobre e, segundo Saraiva, devo louvar a Deus por isso, Não é|
Que raio de produto andam a misturar no cafe do JAS?
O homem nem sequer e manhoso,,,parece assim….a modos que … tolo.