Quando um de nós morre, é menos um golo do Benfica

O que há de mais chato na morte dos que amamos, para além do chato que é a morte dos que amamos, é o nunca mais podermos ver a bola com eles. E nunca mais podermos beber uns copos com eles. E nunca mais podermos ver o nosso clube com eles. Nunca mais podermos fazer isto tudo com eles: ver o nosso clube, ver a bola e beber copos com eles. E conversar. Ver a bola e conversar com eles. Rir com eles de nós e rir deles connosco.

Hoje o Benfica vai jogar na Luz e eu não posso chamar o meu Pai para irmos beber uns copos juntos e vermos o jogo por aí. Não podemos arrancar e ir ver o jogo a um tasco no Redondo ou no Alandroal. Lembrarmos o golo do Isaías que vimos ao vivo, juntos, entre abraços, naqueles últimos minutos de um jogo frio na que antecipou o fogo eterno do Ulrich Haberland. Ele lembrar-se da minha infância e do meu imberbe benfiquismo; eu lembrar-me da sua chama de Pai, da sua chama de benfiquista.

Já não podemos ir ver o vídeo que se gastou pelas milhares de vezes que o vimos juntos, o vídeo dos 4-4 que sempre chegavam aconchegados num abraço entre o meu Pai, eu, o Rui Costa ainda com a camisola suada e o Toni em delírio. 4 golos para 4 pessoas, 4 abraços, 4 vidas. Em 20 anos, 20 mortes? Quantas mais no silêncio que percorre o carril do tempo e vem chegando agora de mansinho? Essa distância é a qual sobre esse 94 que parece ter sido numa outra vida vivida; diferente desta, num mundo distante deste, noutro futebol, qual futebol? Qual vida? Que morte? E o que morreu?

Já não vou ver o jogo com o meu Pai. Nesta noite ou numa noite qualquer. E é chato porque é bom ver a bola e beber copos com os nossos melhores amigos. Quando um morre, nessas noites, nesses jogos, nesses golos do Benfica já não rimos tanto nem com tanta vontade. Abraçamos menos e pior. Festejamos doridos. Quando um morre, é menos um golo do Benfica. Uma bola disparada por cima da trave em direcção ao tudo que é o nada.

Ricardo Silveirinha

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