Um testemunho e dez agasalhos

Tenho gentes minhas que são artistas, tenho gentes minhas que nem sabem que o são, outros apenas sigo os seus extraordinários talentos mostrados nos seus trabalhos, nem os conheço, alguns como eu nem “laikes” recebem, apenas são seguidos pelos cães, gatos e o vento, mas vos digo, como gente da arte da escrita sei que o meu agasalho é o casaco quente do acolhimento dos que abraçam um talento porque lhes sabe ao tempero do amor em forma de lã.

esse casaco de merino que agasalha um artista às vezes é o rio que recebe e desagua na sua arte. Digam o que disserem, estas redes servem para mostrar trabalhos, não para reconhecimento porém tantas vezes para dar alento. Porque recebi esse carinho – e recebo com frequência o incentivo para continuar – dou uns conselhos aos artistas sob a forma de palavras. Os meus agasalhos.

-nenhum artista com talento se deve deixar asfixiar por palavras de desencorajamento. Se receber negatividade deve enviar de volta um cordão mental – e respeitoso – de engasgamento.

– a vida segue. Não pára nem se compadece com desalentos.

Anda em frente aprendendo com o que ficou para trás. Praticando a arte da vida na tua forma de arte.

-não fiques num lugar de vítima sofrida, com pena de ti. Lambe as feridas enquanto avanças.

-empurra em frente e com a barriga os desafios, abraça as mudanças sem medo de as abraçar. Mesmo que o frio na barriga seja de medo.

-o que não se consegue controlar, está resolvido por defeito. Não é nem culpa tua, nem razão para continuar infeliz. o sistema que nos desgoverna é filho de mãos poluídas. Não sujes as tuas. é gastar inutilmente energia.

-não se deve perder tempo com medo de não dizer o que tem de ser dito. E deve. Sobretudo se envolver direitos humanos. Com gentileza e educação. Ou não. Pode envolver palavrões, para que estes não se tornem pedras no estômago.

-corram o risco de se atreverem. É um risco calculado e traz incalculáveis benesses à vida. Prova que estão a viver. Com intensidade e intenção.

-não tenham qualquer arreceio de dizer não ou sim quando a intuição vos guia.

-celebrem o sucesso dos artistas amigos e nunca se ressintam de o celebrar. Quanto mais dás o casaco do aconchego mais recebes calor de volta. O calor humano transmite-se em encosto de circuito fechado.

-desapeguem-se seja do que for que ainda não viu o seu momento chegar. Ou chegou a hora de partir. Não existe boa arte quando é forçada.

estes dez agasalhos servem para qualquer artista, ou amigo que precise. Não pretendem ser nada mais nem nada menos que linhas de presença, como as dos corredores dos aviões.

não sou “coach”, nem mentora, nem influencer. Sou apenas um agasalho. O que está escrito nestes casacos já vesti, testei e comprovadamente provei serem científicos.

quando escrevi o livro “Contos não se vendem” – o livro que será lançado em breve – nunca imaginei que demorasse tanto tempo a ver a luz do dia.

não me vendi ao novo modelo liberal de pagar para publicar, nem esperei um dia ser apadrinhada, nem fiz xikuembo. Guardei-o, desprendi-me dele e aguardei que um dia ganhasse momentum. finalmente alguém lhe viu.

ao seu valor. Foi o meu futuro editor. Gustavo bem hajas!

agradeço aos dois meus editores do site para onde escrevo (Nol- noticias online) a Luisa e o Jacinto. Torcem pelo meu sucesso.

sei que este pequeno livro é importante. Por falar de violência sexual, doméstica, ficção baseada em crimes reais que me foram contados.

infelizmente a misoginia e o ódio às mulheres – mesmo quando no abstracto – é uma violência, e corre solta em liberdade.

Na prática é um crime hediondo.

os praticantes do crime, os machos das coutadas ibéricas e de todas as latitudes por onde andei, são espelhos uns dos outros. A única diferença na linguagem na qual se expressam é se falam em Português ou “estrangeiro”.

foi um livro difícil de escrever e mais ainda de editar. Mas ainda bem que o fiz.

não sou conhecida nem pretendo ser. Porém todos os artistas são frágeis, sensíveis e precisam de um agasalho (mesmo aqueles que não sabem que são artistas). Eu sou assumidamente sensível. Friorenta até, vá.

um dia não sabia. Foi uma amiga artista que me disse “tu és escritora, assume. “Own it”! E eu vesti o agasalho.

viver sem criar seria para mim a morte. E criar sem os outros me acolherem seria como o rio que não encontra saída para a sua corrente.

ficaria como o travolta no filme “pulp fiction” a olhar para todos os lados, desorientada. Porque somos esta coisa perfeita, feita para partilhar.

com o parimento deste livro de bolso lembrei-me também de tantos artistas e de tanta gente com talento que sofre e não recebe acolhimento nem um agasalho.

por isso sinto que incentivar seja que luta for, da arte que encontrar e dos talentos que se encostam na minha rua, tudo faz parte de vivermos agasalhados.

é que isto está tudo ligado…

eram só contos, tornei-os um romance. Fechei o círculo.

porque “Contos não se vendem”.

porém precisam de agasalho.

como todos os artistas.

o lançamento será na Livraria Martins, em Lisboa, em data a anunciar.–

Anabela Ferreira

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