Uma tribo vivendo numa tragédia sendo observados pelos Deuses do Olimpo. (por Anabela Ferreira)

CAPITALISMAlgures num lugar qualquer, neste vasto estranho lugar, a bruma cobria a colina rapidamente. O mar encolhia os ombros em ondas curtas e suaves. Não havia sinos nem igrejas para cantar as horas. Tempo era tudo o que tinham. Dormiam as galinhas dentro de cercas para não serem comidas pelas perspicazes raposas. Ou pelos cães. Enfim, coisas de animais.

O sol nascia com uma qualquer conjunção astrológica, digna do nascimento de algum ser iluminado, que um dia tivesse escapado por entre um nevoeiro, a aguardar nova luz.

A aldeia sentava-se ao redor do fogo, acabado de inventar. Uns discutiam o que fazer no dia seguinte para a caça. Outros ameaçavam. Talvez não comparecessem a fazer mais rodas. Outros ainda defendiam os mais frágeis. Uns riam-se da ingenuidade de muitos.

Outros decidiam. Manter a aldeia debaixo da bruma. Era importante para que não houvesse interrupções nos seus planos. O jogo ao qual se dedicavam não permitia falhas.

Estes eram os dinossauros. Tinham conquistado aquela aldeia de pequenos seres com 2 patas apenas e um côco no alto do corpo. Em vez de os comer, por serem tão jaquinzinhos, davam para fazer um jogo. Os seres eram os manos.

Costumavam gritar “hu” de cada vez que se encontravam uns com os outros. Tinham umas estranhas tradições, mas eram inofensivos. Aceitavam e ficavam quietos se lhes dessem uns jogos para fazer e quando recebiam uns manos sem o côco no topo do corpo, para se divertirem com uns disparates que faziam e diziam entre si. Era deixá-los. Estavam entretidos.

Na entrada da aldeia, sem portas, uns quantos porteiros dinossauros tomavam conta. Tinham sido ensinados não pelos mais espertos mas pelos mais poderosos, os que tinham mais terrenos, árvores, casas e galinhas, que deviam guardar os portões inexistentes. Aquelas eram chamadas as suas fronteiras. Quem não fosse da aldeia, era estranho e não podia passar. Repetiram tanto a lição que estes porteiros pensavam que aquela era a única verdade possível. E sem dúvida que eram os melhores. Palavra de porteiro. De outra forma eram engolidos pelos dinossauros poderosos. Estes porteiros até amavam os seus donos…

Preso a uma árvore sem que os restantes o vissem, estava uma espécie de bardo (como o de outra aldeia famosa). Este não tinha entrado em nenhum momento de entretenimento, a cantar por exemplo. Antes fosse! Distraía a aldeia. Tinha uma história de terror para contar: tinha sido apanhado a contar segredos que ouvira quando limpava o chão, junto às portas das únicas casas com portas. Tinha o hábito de escutar nos buracos das fechaduras. Dali saíra horrorizado com tanta traição à aldeia e resolveu contar-lhes tudo.

Antes de se dirigir à aldeia, numa noite de sereno luar e pedir um ajuntamento para correr com os dinossauros, o mano bardo, decidiu contar a outro mano seu amigo. Foi ouvido, perseguido, apanhado e amarrado. Todos os dias um dinossauro afiava as garras no côco daquele mano. Aconteceria com todos os que tentassem fazer a mesma figura do mano parvo (como passou a ser conhecido entre os dinossauros).

Toda a aldeia estava ligada por fios invisíveis no topo das árvores, nos ramos, nas raízes. Aproveitavam-se do intrincado jogo de raízes no subsolo para colocarem dinossauros a escutar. Como não havia mais nada para fazer, estes estavam entretidos e passavam o que ouviam e viam sem pensar em nada. Até se podiam ir alimentando de raízes. Inconscientemente comiam o côco dos outros manos.

Os manos dividiam-se em dois grupos: uns tinham consciência que algo se passava. Outros de nada sabiam. Tudo se passou antes da matemática existir e havia ainda uns grupos pequenos: os que desconfiavam dos dinossauros, outros que não queriam saber e os que nada temiam. Todos estes pagavam os impostos exigidos no jogo dos dinossauros apesar de quererem ver os dinossauros longe da aldeia. Banidos, presos, varridos pela queda de um meteorito. De tão inconscientes que nem se preocupavam com essa forma insidiosa de controlo, ao poderem ser escutados, vistos, invadidos, vendidos ou o que fosse que os dinossauros decidissem.

Havia aqueles que sabiam que eram os dinossauros que tinham vindo para estragar a vida na aldeia. Os que sabiam que os dinossauros tinham prendido o mano bardo. Mas não eram ouvidos.

Todos discutiam muito com todos. E dividiam-se ainda mais em sub-grupos. Os dinossauros reinavam com a força vinda do poder que tinham usurpado, porque tinham dividido a aldeia em muitos pedaços soltos.

Todos tinham com que se entreter por causa das regras impostas com a chegada dos dinossauros:

-Trabalhar em tarefas inúteis e sem fim que os manos detestavam. E para pagar os impostos que eram obrigados viam-se num esforço físico, mental e psíquico para além das suas forças vitais. O pouco que lhes fosse dado em pedras que nada valiam, tinha de ser entregue de volta ou não teriam uma cubata, uma esteira, um ramo de árvore para se defenderem de animais maiores, e até folhas para se vestirem.

As tarefas dadas eram tão inúteis e tão sem fim que não sobrava tempo, nem para pensar. Já nem falavam em pensar, pensavam eles, bastava aquelas noites em que se deitavam perto dos outros manos (alguns com outros benefícios) a observar as parecenças das nuvens a objectos voadores e a sonhar o sonho das constelações.

No meio semeavam uma distribuição perversa. Todas as desigualdades eram bem orquestradas para cimentar a competição e acender ressentimentos. Entre eles pouco falavam ou falavam apenas dos manos sem côco, ou dos que tinham pernas para a modalidade do jogo do calhau rolante. Ou de problemas sem fim para que mal pudessem respirar.

Se os dinossauros precisassem desse oxigénio, ele tinha de lhes ser cedido com prazer. Se ficavam doentes pelo cansaço ou pelos alimentos envenenados pelos dinossauros para os fazer trabalhar mais e não pensar, iam aos manos das ervas que já não ofereciam ervas. Vendiam-lhes pequenas pedras.

Mas nunca se sentiam bem. Tinham deixado de comer o que as terras junto dos rios lhes davam. Agora vinha tudo em plásticos que eles próprios misturavam com fungos venenosos, vendiam, compravam e voltavam a fazer. Num jogo com um ciclo incansável.

Os dinossauros inventaram mais uma regra para o jogo (como aliás eram todas): veio uma dinossaura gigante (por ser ainda maior que os outros) e uma dinossaura gigantone (ainda maior). À primeira deram-lhe o nome de ciência e à segunda religião.

A primeira tinha a regra de questionar tudo, mas só quando ela explicasse e validasse é que se aceitava como certo. O que ficava por explicar, não era aceite por não ser explicado através das regras da dinossaura ciência e podia ser jogada para o campo da segunda dinossaura religião. Também esta cheia de regras incompreensíveis e obscuras. Que limitavam as suas mentes. O que antes era ilimitado para o conhecimento de cada um, agora tinha regras rigorosas. O medo até fazia os manos desconfiarem das suas sombras.

Os dinossauros reinavam em regime de felicidade absoluta. Estava montada a rede intrincada e de complexas regras, para o jogo continuar…

Enquanto o jogo decorria mais manos bardos iam ouvindo nas fechaduras, tentavam falar o que ouviam e acabavam presos a árvores com um dinossauro a afiar as garras nos seus côcos.

Um dia apareceu num conjunto de folhas, um objecto estranho: um livro. E depois desse mais outros. Cada um tinha histórias emprestadas. Histórias oferecidas com amor. De manos que queriam ser de novo livres. Esses livros livres passaram a ser as armas ao dispôr dos manos. Deles uma nova rede manos de nasceu e foi crescendo.

Muitos manos ao acordarem aperceberam-se, que viviam numa caverna, como se fosse uma aldeia de facto e as sombras e imagens da vida que eram projectadas eram imaginárias e manipuladas. Para os fazer acreditar que eram inferiores e não merecedores de sair da caverna. Mas, dela podiam sair.

Muitos manos foram acordando e deixaram de jogar o jogo dos dinossauros…

Será esta aldeia capaz de vir a libertar-se da teia sem ser assimilado ou manipulado e morrer em liberdade tal como nasceu?

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