Tem sido tema corrente nas redes sociais um estágio na Danone em que a empresa oferecia como contrapartida a possibilidade do estagiário almoçar no refeitório da empresa acrescida da oferta de uma embalagem de 24 iogurtes todas as semanas.
O estagiário destinado a alunos finalistas do curso de Higiene e Segurança no Trabalho previa que fosse elaborado um projecto de criação de procedimentos de segurança na manutenção de equipamentos industriais.
Logo à partida algo está errado nesta abordagem, um estagiário é um aprendiz, um ajudante do “mestre” não se lhe pede que faça um projecto, pede-se que ajude a fazer, pede-se que acompanhe e aprenda com quem já os sabe fazer. Ao pedir ao estagiário que faça ele o projecto a empresa não lhe está a proporcionar um estágio está sim a aproveitar-se dos conhecimentos académicos adquiridos pelo estagiário para que lhe faça um trabalho não remunerado, ou melhor, pago com refeições e iogurtes.
Longe vai o tempo em que as empresas recrutavam estagiários/aprendizes com um digno objectivo de os formar e terem, nessas suas escolas, a matéria prima dos seus quadros. Actualmente recorre-se à figura do estágio para obter mão de obra gratuita e descartável. Com a agravante de que a qualidade da mão de obra, porque é essencialmente teórica e nada prática, será compreensivelmente de qualidade duvidosa. Duvidosa mas de borla que é o que interessa a quem não tem nenhuma visão do que são recursos humanos e a quem não tem nenhuma visão de futuro.
Não é caso único da Danone, infelizmente começa a ser a prática comum recorrer a trabalho em troca de um prato de lentilhas. O Diário de Noticias publica hoje um artigo da Lusa onde se pode constatar que quase 55% dos jovens actualmente a trabalharem no distrito de Lisboa o fazem em regime de precariedade.
A explicação é, uma vez mais, economicista os jovens precários ganham em média menos 40% que os trabalhadores do quadro. Não pensem que é por lapso que estou a meter no mesmo saco os estágios não remunerados e o trabalho precário, na realidade são duas faces da mesma moeda. A grande diferença entre ambas as situações é que na primeira a empresa dá o prato de lentilhas e o prazo de validade é mais curto. Na segunda a empresa dá as moedas para comprar as lentilhas e o prazo não está, à partida, definido.
Dito de outra forma, temos no mercado de trabalho a nova geração de escravos. Podemos até começar a dar-lhe o nome de mercado dos escravos. A Anabela Ferreira publicou ontem um artigo interessante sobre a evolução da escravatura, sugiro uma atenta leitura.
Comecei a escrever este texto com um objectivo diferente. A minha intenção era abordar o abjecto programa que foi ontem para o ar na Antena 1. O nojento espaço que conspurcou as ondas do éter da rádio pública, da rádio paga com o nosso dinheiro, chama-se “Dias do Avesso” com a jornalista Isabel Stilwell e o psicólogo Eduardo Sá. O pedantismo desta gente é inqualificável, acham um empolamento e um escândalo que estas situações sejam denunciadas.
Tiveram o desplante de chamar ao programa de ontem “Pobre e mal agradecido”, explica Isabel Stilwell que o problema é que, os jovens de hoje, toda a vida comeram iogurtes por isso não lhes dão valor. Terão, na opinião da Sra. Stilwell, estes jovens partido de um nível de vida muito alto e que acham que comer um iogurte é natural e básico.
Ficamos portanto a saber que, para Isabel Stilwell, os pobres estudantes, dito de outra forma, os estudantes pobres, não devem ser habituados a comer iogurtes porque isso os deixa com um nível de exigência demasiado elevado. Refiro os estudantes pobres porque, como se sabe, os outros não precisam de nada disto, basta terem um cartão duma qualquer “J” para ser imediatamente colocados como assessores técnicos, especialistas num qualquer gabinete ministerial.
Eduardo Sá, não satisfeito com a disenteria mental de Isabel Stilwell resolve ajudar à festa e atribuir aos Pais dos rapazes a culpa pelo sucedido. Diz que foram muito mal educados e que não lhes ensinaram valores como por exemplo a humildade, julgam que têm mais valor do que aquilo que realmente valem.
A verborreia de Eduardo Sá vai mais longe, ao estilo do líder do regime que apregoava que ficar desempregado era uma oportunidade também ele vêm dizer que trabalhar em troca de iogurtes é uma oportunidade. Acrescenta, revelando a sua veia escravagista, esta malta é ingrata porque quando se lhes dá um bocadinho de autonomia eles vão-se embora.
Será talvez importante esclarecer o Dr. Eduardo Sá que, no caso em apreço, trata-se dum trabalho encapotado por um estágio, é importante esclarecer que não se trata de autonomia, o escravo é utilizado a troco de almoço e iogurtes para desempenhar uma tarefa e depois é descartado.
Para Isabel Stilwell e Eduardo Sá estes jovens encaram estes gestos generosos de trocar trabalho por refeições e iogurtes como uma gorjeta quando na realidade deviam ficar gratos.
Vamos Chamar os bois pelos nomes… Isabel Stilwell e Eduardo Sá, pagarem-vos em dinheiro, com o nosso dinheiro, quando na realidade vos deviam pagar com recortes de jornal e vocês ficarem gratos pela oportunidade é um acto de má gestão. Vocês que são pagos com o meu dinheiro, não voltem a utilizar os microfones da rádio pública para essas campanhas nojentas de incentivo ao neoliberalismo e à escravidão. Façam-se à vida porque vocês sim não valem nada!
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Por situações destas, ou iguais ou semelhantes, nao responbilizo as muitas “Danones” deste mundo-cão, mas sim os Governos e Instituições que as posibilitam e legalizam. E esta coisa que nos comanda, a qual um punhado de “ratos de sacristia” e idiotas afins, insiste em chamar governo, é um exemplo concreto… Para nossa vergonha,,,!!!
[…] Notícias online 21/03/2014 Por Jacinto Furtado […]