Vamos falar de racismo? 

Falo demasiado em racismo.  ” Ah e tal, tudo é racismo…” Engraçado é que é.

Não é por nenhuma outra razão que uma mulher preta não ganhou a administração na terra dos Índios. Pior ou melhor, nunca na vida imaginável contemporânea tal poderia acontecer. Não é por outra razão que Odair, Bruno, Alcindo foram mortos, enquanto as mãos criminosas se lavam e afagam umas às outras. Não é por outra razão que a Cláudia viu-se com o seu processo em tribunal passar de queixosa a criminosa. Não é por outra razão que a Palestina tem no seu chão o sangue de milhares de crianças e adultos. Não é por nenhuma outra razão que os países europeus odeiam migrantes pretos. Apenas porque são pretos.

Por mais nenhuma razão há um lado de nós que não consegue aceitar a diversidade humana. Porque é racista nas profundezas telúricas da sua alma.

Inventaram um termo politicamente correcto para se defenderem, Chamam-nos “acordados” por simplesmente pensarmos em Direitos. Da Humanidade. Na sua diversidade.

E isso é crime de racismo. De segregacionismo. Contra nós próprios, os sapiens pouco sapientes.

Quantas vezes me surpreendo nestes dias a pensar “isto é uma peça de teatro, todos estamos em palco e a plateia está vazia – Ouve-se patear – é o som dos pés dos nossos antepassados mortos.”

Uma irmã branca que me escreve: ei tu aí minha preta irmã, tenho saudades das tuas elucubrações, foste banida?

É quando bebo um trago de rum, com ele me afogo no último reduto de uma puta triste, o lugar de onde nunca serei banida – a poesia.

– Então e já agora, vamos falar de racismo?

Claro que se alguém não gostar do que eu disser em prosa ou poema, pode sempre erradicar-me da sua vida, nunca mais seguir as minhas palavras, queixar-se no secretariado da rede para a censura, ou assim. Depois, ide estudar o assunto.

Não conto mentiras. Antes pelo contrário.

Dedicado a nós Portugueses que inventámos o racismo e o ofecemos ao mundo, e ainda não o acabámos.

Por isso votamos e defendemos quem gostaria (gostaria no condicional) de exterminar mestiços e pretos. E diferentes….

Ai se só pudessem…

Há anos duzentos anos mil e trinta e picos
o homo sapiens aparecia no continente
do Sol tropical
onde a melanina sobe a sua intensidade
colorindo a espécie, protegendo-lhe a pele
de onde o homigrou de salto em saltitos
quando subindo meridianos
aclarava ficando cor pastel
quando duzentos mil e muitos anos
o homo mesclado lusitano
se encontra com a sua origem
no tropical continente africano
descobriu o preto
ficado em casa
chovia potes de água
e debaixo de calor extremo
vestiu-o, deu-lhe um crucifixo
um livro de histórias
a várias mãos escritas
apontou-lhe uma arma,
raptou-o,
para longe o traficou
obrigando-o a migrar
como força de trabalho gratuito
chamando-o incivilizado
à terra fez o pior dos males
chamou-lhe sua à força
dominando-a
como numa violação
eu pergunto nas minhas elucubrações
e se tivesse apenas reconhecido
a casa de onde saiu despido
há muitos mil e tantos anos
regressado vestido?
como um criminoso apaixonado pela sua vítima
de tanto gostar do poder sobre aquela terra
cujo calor do ventre
sai do chão
enquanto se rega de fresco
do céu
tirou a roupa o lusitano
e todo o homem pastel branco
atirando-a ao chão
não se querendo despedir do quente
na sua alma a reconhecendo
a sua massa, a farinha do seu pão
e nela por quinhentos anos se fez homo ficando
sem querer interromper o coito,
o seu sémen despejando
dos seus filhos a engravidando
perdendo toda a razão
e agora que faz aos Filisteus?
depois de andar a pregar – “amai-vos uns aos outros”
para bem de uns cor pastel
foi fácil tomar a decisão 
– o melhor é matar todos
por medo, culpa e traição. 

Anabela Ferreira

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