Comecemos, estimado(a) Leitor(a), por defender a garantia de liberdade de imprensa.
A lei de imprensa regula e assegura a liberdade de imprensa nos termos da Constituição portuguesa.
Na referida lei, de forma clara, podemos ler que a liberdade de imprensa abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações, o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. Mais, reconheço igualmente, e defendo, o interesse público da imprensa.
Assim sendo, compreendo perfeitamente que a minha detenção, sequente interrogatório e finalmente a medida de coacção aplicada (prisão preventiva) sejam matéria “noticiável”, sejam factos que se impõe informar, têm interesse público.
Como facilmente se compreende, não se trata do cidadão João De Sousa que é suspeito de ter praticado ilícitos criminais, é suspeito o Inspector João De Sousa, funcionário da Polícia Judiciária, Instituição que não pode deixar de ser, também, alvo de curiosidade e escrutínio público, e, inevitavelmente, suspeição!
Tudo bem até aqui.
Acrescento ainda que aceito que um funcionário do tribunal, ou mesmo um colega meu da P.J., possa falar com um jornalista seu conhecido desabafando ao telefone, à mesa de um café: “Ficou preso! Quero ver como é que ele vai vestir agora os fatos em Évora!”
Aceito porque a liberdade de imprensa abrange o direito “de se informar”! Quantas vezes recebi chamadas de jornalistas, ou as efectuei para os mesmos, quantas vezes partilhei um almoço, jantar, ou mesmo “só uma água num instantinho!”
Outra coisa completamente diferente, caro(a) Leitor(a), é o acto de fotografarem com recurso a um telemóvel cerca de 40 páginas do inquérito, enviando de seguida as mesmas para jornalistas!
Pois é, pasme!
Como pode isto acontecer? Do que é que estamos a falar?
É isso mesmo: a famosa violação do segredo de justiça, de que toda a gente fala mas que ninguém até hoje conseguiu provar!
Até hoje!
Na segunda-feira, 9 de Fevereiro de 2015, o meu advogado, no tribunal de Almada, junto do Ministério Público, apresentou as provas materiais, repito, provas materiais (fotografias de peças processuais) vertendo no inquérito as mesmas!
Impõe-se colocar a questão: porquê só agora, 48 dias antes do final do prazo para a apresentação da acusação por parte do Ministério Público?
Vamos recuar ab ovo. Acompanhem-me!
Dia 29 de Março de 2014 é decretada a prisão preventiva ao Inspector João De Sousa.
Dia 3 de Abril de 2014, cinco dias depois, a revista “Sábado” publica um artigo – “O Inspector , o ourives e as escutas” – que começa assim : “Dia 10 de Janeiro de 2014. Às 15h57, o Inspector da Polícia Judiciária (P.J.) João De Sousa ligou a […] Era a segunda vez que falava com ele ao telemóvel na última hora […]”. Lê-se ainda:”[…] o Inspector era até tratado, segundo consta do inquérito, pelo nome de código “Zézito […]”. Informa também o trabalho jornalístico: “[…] Mas os investigadores da P.J. de Setúbal e o Ministério Público sugerem no inquérito que só não encontraram dinheiro porque o João De Sousa fora avisado da investigação […]”
Tudo isto que o meu Leitor(a) leu, e que foi noticiado, é informação constante num processo-crime que se encontrava e encontra sob segredo de justiça! O que leu consta no processo ou foi falado no interior de uma sala do Tribunal de Almada onde somente se encontravam o Juiz de Instrução, o Procurador, um oficial de justiça, um defensor oficioso e eu!
Na mesma peça jornalística, ainda informou a imprensa o público sobre métodos de investigação, assim como o teor de conversas telefónicas por mim mantidas, nas quais “falava mal” da Coordenadora Maria Alice Fernandes e outros colegas. Esta última informação facilmente é confirmável através da leitura dos outros textos que neste espaço escrevi!
Toda esta informação está abrangida pelo segredo de justiça! Claro, mas em Portugal ninguém respeita isso, até porque nunca existem provas, somente suspeitas, rumores, insinuações, boatos ou até as comadres zangadas que informam os “média” das verdades!
Nada disso neste caso em particular: existem provas! O crime, porque se trata de um crime – violação de segredo de justiça – foi denunciado ao Exmo. Sr. Procurador da República, Dr. João Davin, dominus do processo no âmbito do qual me encontro preso preventivamente!
No dia 30 de Abril de 2014 – há 9 meses e 15 dias atrás – foi comunicado pelo meu advogado, Dr. Santos De Oliveira, ao Exmo. Sr. Procurador da República, Dr. João Davin, a grave violação do segredo de justiça por parte de um jornalista (identificado na denúncia) tendo sido igualmente informado de que o meu defensor tinha na sua posse as fotografias realizadas com recurso a um telemóvel, de várias peças processuais (cerca de 40 fotografias!).
Perante a, gritante, ausência de realização de qualquer tipo de diligência por parte do Exmo. Sr. Procurador da República, Dr. João Davin, expôs-se e requereu-se por escrito, novamente, ao Exmo. Sr. Juiz de Instrução Criminal do Tribunal de Comarca e de Família e de Menores de Almada: “[…] em face do conhecimento que tem o Tribunal e o Ministério Público da grave violação do segredo de justiça a abertura do competente inquérito dado se tratar de um crime público […]”.
Solicitou-se ainda “[…] a extracção de certidão do competente relatório do Ministério Público […] tanto ao Conselho Superior da Magistratura, como ao Conselho Superior do Ministério Público […] ao ter tomado conhecimento tanto o douto Tribunal, como o Ministério Público que um jornalista obteve cópias do processo a que nenhum dos demais intervenientes processuais teve acesso, ou modo e condições materiais de obter, em segredo de justiça, nada ter feito, ou ter comunicado aos demais intervenientes processuais que foi instaurado o competente inquérito criminal […]”.
Pasme de novo o meu Leitor(a): até hoje – 9 meses e 15 dias depois – nada foi feito!
Aqui está a resposta à pergunta anteriormente formulada. O que o meu defensor e eu decidimos fazer foi, não digo “esfregar” por uma questão de elegância, o que fizemos foi “colocar na cara” do Ministério Público e do Juiz as provas materiais, incontornáveis, incontestáveis da grave violação do segredo de justiça!
Claro que me questiono: “porquê? Porque permitiram isto?”
Aquando do meu interrogatório, perante o Juiz, respondi a questões que me deixaram, confesso, perplexo!
Suspeito de ter praticado fraude fiscal, branqueamento de capitais, peculato, corrupção passiva, denegação de justiça e prevaricação, violação de segredo de funcionário, associação criminosa (ufa!), questionaram-me: “O Sr. Inspector tem de facto a opinião sobre os seus superiores hierárquicos que se ouve nas escutas?”; “O que é que acha agora dos seus amigos jornalistas que o colocaram na primeira página?”
Como é que isto está relacionado com os crimes graves que dizem que pratiquei? Lembrei-me de imediato do “Estrangeiro”, de Albert Camus: Meursault foi condenado não por aquilo que fez, mas sim por aquilo que era!
Factos apresentados, poucos ou nenhuns que enquadrassem acções criminosas. Fizeram juízos morais e éticos sobre as minhas opiniões, sobre a minha liberdade de discordar e criticar!
Recordo agora as palavras de Epiteto, filósofo estóico: “ser como uma linha branca numa toga é fácil, agora ser a faixa purpura, eis o mérito e a extrema dificuldade.”
Senti que queriam dar-me uma lição: vê como o teu ego não te deixa ser humilde, vê como agora estás a penar, a experimentar o reverso da moeda, a punição pela tua vaidade!
A 22 de Abril de 2014 é-me negada a pulseira electrónica. No despacho no qual o Juiz afirma que “tudo ponderado conclui-se que aqueles novos factos (trata-se do parecer positivo da DGRSP sobre a vigilância electrónica) não implicam a prolação de uma nova decisão que desagrave o estatuto coactivo do arguido”, o mesmo Juiz fundamenta a “negação” com o seguinte argumento: “[…] Deve dizer-se, aliás, e a propósito, que o facto de o arguido se encontrar em cumprimento de prisão preventiva não o impediu, ainda muito recentemente, de prestar declarações relativas aos presentes autos à revista Sábado (cfr. Edição de 3/4/2014, acessível na sua edição digital, em http://epaper.sabado.xl.pt) […]”.
Estimado(a) Leitor(a) a peça jornalística em que se diz que prestei declarações ao jornalista, o que é falso, a violação do segredo de justiça que só pode ter sido praticada pela Investigação (P.J.) o Ministério Público ou o Juiz de Instrução, é o argumento utilizado para fundamentar a manutenção do arguido em prisão preventiva. Será que necessitam destas manobras rasteiras, mesquinhas, para fundamentarem as suas decisões? “Nada é tão fraco ou instável como a fama de uma potência que não se apoia na sua força própria”. Tácito
O meu camarada de reclusão, Eng. José Sócrates, devido ao seu “peso” na sociedade (conquanto esteja mais magro e tonificado muscularmente, conforme partilhou ontem comigo. Não! Não estamos zangados apesar de eu ter sido muito critico em relação à sua pessoa!) colocou a temática – violação do segredo de justiça – novamente na praça pública, na ordem do dia. Mas, contrariamente ao que disse a Procuradoria-Geral da República, através de comunicado escrito, ou seja, que sempre que existam suspeitas da prática de violação de segredo de justiça, é aberto inquérito-crime, eu sou a “prova viva”, com provas para apresentar, que tal não se verifica na realidade!
Será que isto não é notícia? Não interessa aos “média” este notório encobrimento por parte das entidades que têm o inquérito à sua guarda?
Para terminar voltemos ao princípio: liberdade de imprensa abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado. Permitam-me acrescentar: informar bem, de forma idónea!
Vou relatar-vos este pequeno incidente com a minha mulher que ilustra o quanto podem as notícias enganosas magoar as pessoas.
No “Correio da Manhã”, num artigo cujo título era, “Rede usa PJ em burla de 12 milhões ao Estado”, lê-se em destaque: “Estilo Castelo. […] a sua residência, que agora foi alvo de buscas pelos colegas da P.J., é faustosa, estilo castelo, e estava carregada de luxos”.
Lassalete Guerreiro, a mãe de uma vítima de homicídio que iniciou a petição na “internet”, “Vamos ajudar quem nos ajudou: Inspector João De Sousa”, pediu para visitar a minha casa, com o objectivo de dar um abraço à minha mulher, e conhecer as meninas e o, na altura recém-nascido, João De Sousa, Jr.
A visita realizou-se. A minha mulher, agora em visita ao marido no Estabelecimento Prisional de Évora, relata-me que a visita da “Lassa” foi muito emotiva, regada com lágrimas. Descreve-a como uma pessoa muito boa, carinhosa, com uma força extraordinária apesar da perda do filho, disposta a ajudar-nos em tudo.
No entanto, com uma expressão triste (desiludida?!) acrescentou que ficou ressentida com a mesma!
Questionei-a de imediato: ”O que foi que ela fez?”
“Não o fez, disse!” – relatou com uma expressão triste (com algum despeito à mistura).
“Disse, após entrar na nossa casa: então mas o castelo é isto?!”
Sorri para a minha querida mulher e tentei demonstrar-lhe que era positivo o reparo. As pessoas perceberão que são notícias enganosas, suspeições infundadas, notícias com um propósito, sensacionalistas!
Não se deixando convencer pelo argumento, apenas desabafou, com a mesma tristeza na expressão (e alguma critica a mim!?): “Sempre te disse que o tapete da sala é feio, e já devíamos ter comprado outros cortinados há muito tempo!”
Não argumentei mais. Fiquei apenas revoltado por se violar o segredo de justiça impunemente, revoltado porque quem devia respeitá-lo, e fazer respeitar, não o faz, e porque sem ordenado desde Junho de 2014, apesar da imprensa propalar que os meus colegas consideram que apresento sinais exteriores de riqueza, não estou presentemente com disponibilidade económica para substituir tapete e cortinados, por forma a alegrar um pouco a minha cara metade!
(*) João de Sousa é ex-inspector da policia judiciária em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Évora
Publicado originalmente no blog Dos dois lados das grades da autoria de João de Sousa
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