O 1º de Maio, que muitos entendem como apenas (mais) um feriado, celebra a mais que justa e heróica luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, muito em particular a luta dos operários de Chicago pela jornada das 8 horas de trabalho diárias.
Com efeito, e perante os abusos e prepotências patronais e as condições absolutamente desumanas de trabalho que então eram praticadas, num congresso realizado nos Estados Unidos da América, em 1864, os Sindicatos decidiram definir como objectivo do seu combate a limitação, a alcançar no prazo máximo de 2 anos, da jornada diária (que chegava então às 14, 16 e até mais horas!) para as 8 horas, ao que se seguiram diversas e memoráveis lutas e greves.
A greve geral de 1866 suscitou uma adesão muito grande, designadamente em Chicago. A 3 de Maio desse ano, naquela cidade, após os grevistas da fábrica McCormick terem escorraçado os fura-greves contratados pelos patrões, polícias e detectives privados da Agência Pinkerton, armados de espingardas, alvejaram e mataram 3 operários e feriram dezenas de outros, num crime que suscitou a maior das revoltas. No dia seguinte, e na sequência de uma grandiosa marcha de protesto, verificaram-se novos conflitos com os polícias, junto dos quais, em determinada altura, rebentou uma bomba, que matou e feriu alguns destes.
Ora, com esse pretexto, e não obstante a flagrante falta de provas, foram de seguida presos 8 dirigentes anarco-sindicalistas, e condenados à morte por enforcamento 5 deles, cujos nomes aqui recordo: Albert Parsons, Adolph Fisher, Georges Engel, August Spies e Louis Ling. Enquanto este último morreu na prisão, em condições misteriosas, os restantes quatro foram executados numa sinistra sexta-feira, a 11/11/1867, que ficou a partir daí conhecida como “The Black Friday”. Os restantes três foram condenados a prisão perpétua, mas acabaram por ser inocentados, reabilitados e soltos em 1893, por decisão do Governador do Illinois, que confirmou então ter sido o Chefe da Polícia de Chicago quem montara uma verdadeira operação negra, que incluíra a encomenda do referido atentado, para com ele justificar a brutal repressão anti-operária que se lhe seguiu!
Perante todos estes acontecimentos, em 20 de Junho de 1889, a II Internacional Comunista deliberou convocar anualmente e por todo o mundo uma manifestação, tendo por lema a luta pela jornada de trabalho de 8 horas, para tal escolhendo, em homenagem àquela luta dos operários de Chicago, o dia 1º de Maio.
O 1º de Maio é, assim, um símbolo, e um símbolo muito forte, do combate de quem trabalha contra a exploração e a opressão, cuja origem e sentido históricos encerram algumas lições fundamentais, que não deveremos nunca esquecer, sendo merecedoras de toda a nossa atenção.
A primeira dessas lições é a de que, na sociedade capitalista, nada é oferecido a quem trabalha e tudo tem de ser conquistado pela luta, com esforço, perseverança, coragem e sacrifício.
A segunda é a de que, nessa mesma sociedade capitalista, as grandes armas dos trabalhadores são a sua organização e a sua firme unidade em torno de objectivos justos. Lutas por objectivos mesquinhos não devem ser travadas e só conduzirão à derrota. Lutas individuais, isoladas, desorganizadas ou espontâneas podem ser mais que justas e corajosas, mas estarão sempre irremediavelmente condenadas ao fracasso.
A terceira é a de que as organizações que se pretendem representativas dos trabalhadores não se podem deixar reduzir à mera luta reivindicativa económica imediata e à defesa simplesmente dos chamados “interesses sócio-profissionais” dos seus associados (como os corporativistas e fascistas de antes do 25 de Abril e os neo-corporativistas e neo-liberais do Código do Trabalho de 2003 tanto gostam de apregoar). Antes se devem assumir como órgãos de luta social e até política (não partidária) por uma sociedade melhor e mais justa. Os seus dirigentes não podem ser aristocratas e burocratas, bem compensados pelo patronato para se manterem longe daqueles que dizem representar e dos respectivos postos e condições de trabalho e para, sob a estafada invocação de que são “responsáveis” e “colaborantes”, nunca porem em causa o essencial, ou seja, as questões do Poder, na empresa e na sociedade. Devem ser livremente eleitos e livremente demitidos (se e quando necessário) pelos seus pares, a estes prestando continuamente contas do respectivo mandato e, entre salários, subsídios, abonos e outras benesses, não ganhando mais do que eles. E os métodos de acção e de luta também têm de ser isso mesmo, ou seja, meios de verdadeiro combate, e não “fofinhos” chás dançantes, que tanto agradam a patrões, seus governos e suas polícias e tribunais por afinal fingirem lutar, mas sempre sem causarem qualquer mossa aos interesses da classe patronal e deixarem assim tudo no essencial na mesma…
Importa perceber que vivemos actualmente uma época em que as novas tecnologias, em particular as da Comunicação e Informação, estilhaçaram as noções tradicionais de tempo e de espaço, possibilitando o funcionamento 24 horas por dia e 365 dias por ano de um sistema financeiro global. Mas o absolutamente extraordinário aumento da produtividade do trabalho humano, trazido por tais novas tecnologias, em vez de levar a jornadas de trabalho menos penosas e menos longas e a um maior número de pessoas empregadas, e precisamente porque elas foram expropriadas por uma pequena minoria e colocadas ao seu exclusivo serviço, determinaram, de par com o reforço e refinação dos mecanismos de manipulação da opinião pública e de esvaziamento e destruição dos direitos do comum dos cidadãos, consequências absolutamente devastadoras nas organizações tradicionais, designadamente as sindicais, a saber:
– Transferência crescente da produção industrial para os países capitalistas ditos emergentes, beneficiando dos muito baixos custos unitários do trabalho, da desregulação social e laboral que aí são geralmente praticados (em nome da “atracção do investimento estrangeiro”) e da consequente sujeição dos respectivos trabalhadores a condições similares às do início da Revolução Industrial;
– “Terciarização” crescente, nos países de economia capitalista mais avançada, da actividade económica, com a segmentação ou mesmo pulverização das grandes concentrações industriais, a redução do número dos proletários “clássicos”, ou seja, dos operários industriais, e a proletarização dos “novos operários”, isto é, os trabalhadores do saber qualificado e até altamente qualificado (como médicos, enfermeiros, arquitectos, engenheiros, professores, advogados, etc.), com retribuições cada vez mais baixas e contratos cada vez mais precários;
– Criação de uma multidão crescente, em particular nos países de economia mais débil ou de fraca capacidade produtiva (como é o caso de Portugal), de pessoas, sobretudo jovens, que, não obstante terem qualificações elevadas, ou só conseguem empregos de baixa qualificação e salários miseráveis (como call centers ou caixas de hipermercados), ou não os conseguem de todo encontrar, constituindo assim uma enorme massa de “inempregados” e de “inempregáveis”;
– Destruição prática dos principais direitos dos trabalhadores, em particular dos seus direitos colectivos, como é o caso da contratação colectiva (por meio de mecanismos legais como os da sua caducidade ou da possibilidade de conterem tratamento menos favorável que o da lei) e da greve (através dos serviços mínimos, que são, afinal, verdadeiramente máximos, requisições civis e pareceres/declarações no sentido da ilicitude, etc.).
A realidade mostra que as organizações sindicais que não saibam ou não queiram enfrentar estas realidades e unir-se aos saberes científicos mais avançados para melhor compreenderem o mundo, que não aceitem ouvir críticas e pontos de vista divergentes e fazer a sua própria auto-crítica, preferindo continuar pela via da burocracia, das greves “fofinhas” e da lógica conciliadora do “não foi o acordo óptimo, mas foi o acordo possível”, estarão, como, aliás, é já hoje visível pela dramática diminuição das respectivas taxas de sindicalização e pelas consecutivas derrotas averbadas nas lutas que têm dirigido, irremediavelmente condenadas ao fracasso, ao definhamento e ao desaparecimento.
O desafio que todo o 1º de Maio do século XXI nos coloca é, pois, o da luta, da unidade e da organização dos trabalhadores à altura da importância, da gravidade e dos desafios destas novas realidades!
É justo, é urgente e é cada vez mais necessário manter e cultivar os ideais mais nobres, abrir novos horizontes, rasgar novas perspectivas e ousar combater por elas. Com um sindicalismo não corporativo e não meramente económico, mas verdadeiramente empenhado na construção de uma sociedade mais justa, que seja firme, combativo e corajoso. Com dirigentes verdadeiramente ligados àqueles que dizem representar, respeitadores das opiniões, dos anseios e das decisões destes. Com organizações capazes de chamar ao seu seio as enormes multidões dos empregados precários, dos “inempregados” e dos “inempregáveis”, adoptando, perante os espartilhos que lhes vêm sendo criados, novas, mais firmes e cada vez mais imaginosas formas de luta, e, simultaneamente, tendo capacidade para as divulgar devidamente e captar para elas o apoio dos restantes sectores do Povo!
Viva o 1º de Maio!
António Garcia Pereira
Deixe um comentário