Violência…De novo

Escrevi o texto abaixo há um ano, quando aconteceu o caso no bairro Jamaica. Reponho. Antes que se inicie o processo evolutivo de nos comermos uns aos outros.

Parece que na selva andam cidadãos que são obrigados a defender-se à violência, mordendo (e ainda são portadores de doenças caninas). Por prevenção, a polícia actua com raiva descontrolada e excessiva como método pedagógico de detenção.

Deixo uma questão. Imaginemos que a mulher em questão é violenta, agride e resiste. Então a PSP não está preparada para lidar com estas situações – e com uma mulher admitindo que um homem tem mais força fisíca – sem ser com raiva e excesso de agressividade?

Aguardarei o resultado das investigações para responder à minha questão.

Bairro de lata, pobreza e violência

Como criar um bandido nos bairros de lata? Portugal não é nem nunca foi racista…

Não sei como começar este texto, mas apetece chamar-lhe “como fazer a catarse da violência entre gente abandonada que é gente como nós e gente como nós que um dia foi abandonada”.

Basta passar os olhos nas caixas de comentários sobre o que se passou no gueto Jamaica onde só vivem pretos, para perceber que o racismo é um bicho vivo e repugnante. Que fervilha de fome e quer sair por aí a comer tudo e todos. Tem as entranhas dilaceradas e alimenta-se de raiva e pobreza.

Vou começar por fazer um exercício simples. Tentemos imaginar que alguém até paga para crescer e viver em bairros de lata…Conseguiram imaginar? Eu não! Mas não sirvo de exemplo. A minha imaginação é pobre. Imagine-se que o sonho de alguém é crescer,ir à escola, viver no seu dia-a-dia, construir futuro e família numa favela, num bairro de lata, no meio de condições de vida insalubres e indignas. Por mais que me esforce não consigo imaginar que este sonho exista na cabeça ou no coração de alguém.

Como Trump e Bolsonaro, quando o Ventura – que se aventura por eleições – obtiver o voto dos descontentes com essa escumalha que deveria “voltar à sua terra” se por cá está mal, estaremos nessa altura,perante a ventura do futuro que todos queremos ver. Muros e aviões carregados de pretos que não querem fazer nenhum – com os seus rádios de pilhas e malas de cartão – a regressarem aos lugares de onde nunca deviam ter saído…

Só que não!

Esses pretos também pertencem a Portugal quer os racistas gostem quer não.

Fala com ódio quem nunca precisou de viver em bairros de lata, bairros sociais ou mais propriamente guetos. Quem, mesmo apesar de viver no fio do sabre que lhe pesa sobre o pescoço consegue ter um saco de água quente e pagar o material escolar dos filhos.

Fala com ódio quem está descontente com a precariedade, a austeridade, a falta de dinheiro para a subsistência básica, a ver o dinheiro dos impostos aplicado em off-shores em qualquer Panamá que os receba, a saber que o fruto do seu trabalho é gasto em iates e champagne. Eu passo por tudo isso – incluindo racismo – e procuro usar o bom senso para mirar as uzis tanto às mãos que primem o gatilho quanto aos mandantes dos crimes.

Mas em quem esta gente que odeia descarrega a sua raiva, tensão e medo? Na mãe do árbitro,claro. O elo mais fraco.

Será que é assim tão difícil perceber que estes mal-educados, bandidos, vândalos e gente que não quer trabalhar são fruto da política de terra queimada de quem há anos trabalha arduamente para que o trabalho desapareça, a protecção social desapareça, as condições para educação,habitação,justiça e saúde desapareçam. Para que a desigualdade e a falta de condições dignas de vida sejam o pão amargo com que estes bandidos se cozem cada dia.

É consequência de quem sabe que quanto melhor dividir melhor vai reinar! Quanto maior a pobreza maior a possibilidade de conflito entre o grupo dos que pagam impostos e dos que foram um dia abandonados. O medo acrescentado às demais condições apodrecidas cozinha o caldo de violência.

A polícia que vive e obedece a leis feitas para descriminar, que vive entre a insegurança de vidas precárias, a necessidade de catarse das frustrações profissionais e pessoais não tem peso nem medida. Menos ainda bom senso. Ou formação adequada. Foram tão abandonados quanto os pretos bandidos. E todos os demais que os apedrejam.

E assim se vão caçar os votos dos que “estão fartos desta bandidagem”. Não é preciso ter um doutoramento em ciência política para entender. Digam-me que não conseguem ver que os responsáveis são os líderes que o dinheiro comprou? Líderes de África, que venderam as suas almas à corrupção e ao poder. Líderes da Europa, que venderam as suas almas à corrupção e ao poder. Líderes de qualquer lugar neste pequeno mundo redondo globalizado.

Estes líderes venderam-nas a troco da vida dos abandonados. Venderam-nas aos predadores que vigiam no escuro, o momento de ventura do ataque.

O que me incomoda mais? É que está a resultar. O ódio parece que veio para ficar. O medo é o combustível.

Devia ser simples. Posso duvidar de uma vítima e não a defender. No entanto,

-Se eu nunca fui vítima de assédio sexual ou de violação, desconheço o que significa viver esse terror, então simplesmente nunca deveria estar do lado do perpetrador.

-Se nunca fui vítima de “bullying”, desconheço o que significa viver esse terror, então simplesmente nunca deveria estar do lado do perpetrador.

-Se nunca fui vítima de racismo, desconheço o que significa viver esse terror, então simplesmente nunca deveria estar do lado do perpetrador.

-Se nunca fui vítima de qualquer discriminação, desconheço o que significa viver esse terror, então simplesmente nunca deveria estar do lado do perpetrador.

-Se nunca fui vítima de qualquer violência doméstica, emocional, psicológica, financeira, institucional, ou escravatura moderna, desconheço o significado desse terror, então simplesmente nunca deveria estar do lado de perpetrador.

Se estiver ao lado do perpetrador, por acção, palavras ou omissão sou conivente. Sou um perpetrador de violência. Deveria ser simples de entender. No entanto…

Anabela Ferreira

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *