Porque sou Portuguesa com o mesmo direito de estar em Portugal

Estão cansados de ouvir falar de racismo e outros ismos? Imaginem aqueles que levam com o assunto nas costas! Até viro os olhos! Como gosto de contar histórias e denunciar a ignorância aqui estou.

Estou habituada a mimos racistas desde tenra idade. Decidi fazer com eles – e da minha vida – uma plataforma de educação, sobre um período bárbaro da Humanidade que me leva a receber ataques racistas. Já aconteceu aqui várias vezes. Vamos lá educar. Educar é tirar alguém da ignorância. Mas e quem quer continuar ignorante? Insulta.

É assim que tem sido a evolução. Uns ficam para trás. Já não me magoa, nem afecta. Servem-me para denunciar. Cuidado. Eles andam aí. São o pior retrato da humanidade.

Porque razão escrevo este postal? Podem dizer: “pões-te a jeito”…Eu escolho as minhas batalhas e esta é por demais importante! Há silêncio por muitos séculos e eu faço questão de usar o meu curto tempo a ajudar a repôr a memória. Porque é um dos bens mais preciosos que temos. Eu sou mais uma a jeito. São os que negam a história e a não querem destapar que devem ouvir. São os ignorantes que devem aprender.

Onde estavam as vítimas não se puseram a jeito. Foram lá roubá-las, violá-las, privá-las das suas identidades e culturas. Escrevo de novo porque já só tenho tempo para dizer umas coisas antes do regresso à barbárie.

A propósito do grafiti no padrão escrevi a minha opinião sobre o mesmo – sobre as palavras que lá foram escritas. Por acaso não escrevo nada sobre a destruição do monumento, mas certamente não defendo a limpeza do grafiti. Penso que as palavras deviam ser preservadas in loco. O monumento representa tanto a expansão marítima quanto o escarlate do mar, num período sombrio da História Portuguesa, de uma forma de escravatura da qual somos directamente responsáveis. Período que ainda me leva a receber mimos destes que vos mostro de seguida.

Mimos para mim e para milhares de outros como eu, por parte de um grupo grande de Portugueses que teima em manter-se na ignorância. Que teima em ser desonesto e sofrer de dissonância cognitiva. São perigosos e há partidos que os vão alistar.

Um ex-amigo deixou-me o seguinte comentário:

“o teu texto é no mínimo intelectualmente desonesto, distorce a realidade, a história entre outra coisas. Infelizmente não és a primeira a defender a destruição de monumentos. Os talibãs já o tinham feito no Afeganistão há uns anos, se bem te lembras.

Já agora se na tua opinião Portugal não presta, os portugueses só criaram a desgraça, porque estás cá, porque te refugiaste e refugias cá (refiro-me à tua época de adulta)?”

O argumento é tão básico e desonesto que me faz escrevinhar com dor e vergonha alheia.

Repito os factos históricos da minha suposta desonestidade intelectual.

Factos esses que aprendi a partir de aturados estudos de diversos Professores e académicos, historiadores e tantos outros cientistas sociais de diversas nacionalidades e quem sabe (segundo este pseudo amigo), passam informação desonesta e propaganda (como o Estado Novo fez no nosso caso).

A- Escravatura deste período da História da Humanidade(séc XV) teve origem nos povos Europeus, começando com os Portugueses em paralelo com Espanhóis, Ingleses, Franceses, Alemães, Holandeses, Dinamarqueses.

Sempre houve escravatura. E essa para a qual querem desviar o assunto, não tinha as mesmas motivações – a divisão pela cor-da pele, mas os dissonantes cognitivos jogam o jogo do “whatabout”. Desviar do assunto principal e em épocas diferentes.

As outras formas de escravatura diminuem esta? Qual é problema em estudar o assunto? Ao fazerem o jogo do “whatabout” de que têm medo sobre o assunto inicial? (Pergunta retórica!)

A humanidade sempre andou em guerras? Claro! Os pretos sempre se deram todos bem? Claro que não! Há pessoas da cor preta que traíram os seus? Houve na altura e há agora e sempre! Todos os brancos foram esclavagistas? Obviamente que não!

Mas então, o que é que tais factos justificam o essencial deste assunto?

Continuemo-nos então a concentrar no prato principal!

B- Montado o sistema que se perpetuou, as economias das monarquias/nações da época estavam baseadas no negócio do comércio transatlântico de pessoas que foram escravizadas – para trabalho escravo, bem como nas violações sistemáticas das mulheres, para produzirem mais escravos.

Os Lusitanos, viviam até então presos num território pequeno constantemente invadidos por outros povos. Povo pobre e miserável mas governados por uma classe nobre privilegiada e instruída que viu um meio de se expandir por mar. E enriquecer indignamente. A ganância levou-os a manchar o mar de sangue.

C- A expansão ultramarina origina a Escravatura, as Colonizações e o Apartheid, com consequências nefastas até hoje – com a mão dos Portugueses, Ingleses, Franceses, Espanhóis, Holandeses, Italianos, Alemães etc.

(Finalmente divide a régua e esquadro, na Conferência de Berlim, o enorme e rico continente Africano. Depois de sacar de lá mais de doze milhões- foram muitos mais – de seres humanos para trabalho escravo noutras paragens).

A gloriosa Civilização Europeia das Luzes, da Razão e da Escravatura que dividia uma só raça por cores bradando que uns são superiores a outros.

D- Por fim e porque esta é a razão da existência de racismo: A cor da pele!

– Nunca até então tinha acontecido uma forma de escravatura, na História da Humanidade – entre quem domina e quem é dominado – com base na desumanização de um grupo, escolhido e dividido por ter uma cor de pele diferente.

Este foi o inéditismo e a inovação vinda de obra humana e da pseudo-ciência criada com o objectivo de justificar a propaganda. E fomos nós a começá-lo! Lembram-se?

Os Portugueses quando começaram a expansão marítima desconheciam o que havia para além da praia do Guincho. Sabia lá esta gente de bem, da existência de civilizações- africanas (grandes e várias, bastante evoluídas), de civilizações de Índios ( vastas e evoluídas também) ou Asiáticas.

Quando os Portugueses chegaram às terras habitadas tiveram de adaptar o que encontravam às suas conveniências. E inventaram o Racismo.

(Os Ingleses e os Holandeses, os Espanhóis, os Franceses, os Belgas, foram um passo mais longe. Colocaram vários cientistas a trabalhar para atingir os objectivos da propaganda).

Convencer a Igreja Católica a ficar na posse de terras e pessoas foi fácil. Distribuíam os lucros. Todos viram uma forma de enriquecer muito. Com armas a tarefa estava facilitada. Dizer que os povos encontrados eram violentos e selvagens e não-humanos foi fácil.

Ninguém os conhecia nem deixavam ninguém fazer o contraditório.

Por fim, Relembro a quem decidir procurar o insulto como forma de me repudiar, informo que sou Portuguesa por direito de nascimento, já que a minha terra era Portuguesa e agora é minha também. Como esta. O meu passado Português vem de um povo – hoje europeu- que invadiu a minha terra, a submeteu às piores barbáries: -Escravatura, Racismo e posteriormente a Colonização. Se estes acontecimentos não se tivessem dado eu seria provavelmente uma africana que nunca teria sido sujeita a essas abjectas realidades.

Não estaria a ensinar sobre estes assuntos. Lógico, não?

Sou Portuguesa e tanto olho com orgulho para os meus concidadãos de ambos os lados, que tudo fizeram para acabar com o passado esclavagista, racista e colonial, como com repulsa para os que o instituíram e sobre ele levam longe a sua propaganda.

E beneficiam com esse passado abjecto até hoje. Tenha a cor que tiver.

Para ser considerada portuguesa não é condição primeira concordar acríticamente com qualquer parte do passado. Hoje, amanhã não sei! Sou eu que devo começar, a partir do lugar de fala privilegiado, de colonizadora e esclavagista a denunciar e a contar a versão do outro lado escravizado, violado e colonizado. No processo recebendo constantemente insultos racistas. O que prova o meu ponto de que a instituição do sistema racista ainda tem raízes por arrancar.

Eu venho de ambos os lados! O meu direito a escolher cá viver pertence-me como a qualquer Português. Ler acima.

O meu direito a ser cá educada pertence-me por direito de paternidade e demais ancestralidade, como é com qualquer cidadão, mesmo que nascido em terra africana.

Onde quer que os europeus tenham colonizado e escravizado e dividido por cores, por esse mundo fora, os filhos desse passado pertencem a África tanto quanto pertencem à Europa, ou às Américas. Pertenço a esta União de uma Europa de cidadãos e nações que há cinquenta anos ainda fazia exposições com seres humanos, de cor preta, dentro de jaulas. Os seus escravos!

Nunca antes, na História da Humanidade esta anormalidade tinha acontecido.

Nem por comparação de abjecção com outras formas de Escravatura. Daí a importância de que esta se reveste. Eu Portuguesa africana, com parte do meu passado por descolonizar tenho por obrigação aprender, ensinar, ouvir, explicar os símbolos da propaganda e apontar as mentiras da História.

Se o não fizer serei uma básica desonesta intelectual.

Que é a forma como eu considero os “amigos” que me insultam e dizem que não sou Portuguesa, que devo ir para a minha terra, que não sou agradecida a esta terra, por tirar máscaras à epopeia Portuguesa. Recomendo-lhes vivamente a Educação, sem a chamada visão afunilada dos acontecimentos e da epopeia. Leiam muito e aprendam. Não faltam livros e conferências de grandes educadores e gente que sabe do que fala.

Deixo uma questão neste longo postal:

-Se não tivessem sido os muito mais de doze milhões e meio de pessoas, arrancadas do continente Africano para fazerem a alavanca das economias europeias, brasileira, americanas, que dura até hoje nas mãos dos que substituíram aqueles que enriqueceram à data (no começo no século XV?)?

Alguém quer mascarar e prolongar a propaganda. Que ninguém se deixe enganar por ela. Só é ignorante quem escolhe. A história desta época já tem documentação suficiente para provar todos os pontos que aponto.

E a desonesta intelectual a distorcer os factos da história sou eu?

Anabela Ferreira

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