Marcelo, independente? (por Telmo Vaz Pereira)

ng5234166“Marcelo quer ser independente mesmo com o apoio da direita”

http://www.dn.pt/portugal/interior/marcelo-quer-ser-independente-mesmo-com-o-apoio-da-direita-4896476.html

1 – Independente como? Comecemos pela foto que ilustra a manchete do Diário de Notícias. Como se pode ver, Marcelo apresenta-se numa pose eclesiástica de quem dá um sermão e vestido de negro que faz lembrar uma batina religiosa e tendo como fundo a imagem de Cristo na cruz – e nada disto é por acaso, muito pelo contrário, tem um objectivo muito claro. Como também não é por acaso que tenha convocado a imprensa quando se apresentou na capela do Rato onde disse rezar o terço todos os dias assim como vai ao confessionário contar os seus pecados terrenos e pedir a absolvição divina.

Acontece que, indubitavelmente, Marcelo serve-se da religião para se promover. Se para uns Deus dá lucro, para outros dá votos. Mas para o láparo Passos, nem o facto de ter andado na campanha eleitoral com um crucifixo no bolso lhe serviu para alguma coisa. Insondáveis mistérios…

Esta actuação não tem rigorosamente nada de independente por duas razões. A primeira delas, é insofismável que Marcelo não abandonou o tique que desenvolveu durante o Estado Novo de que o seu pai Baltazar Rebelo de Sousa foi um destacado dirigente de topo, e onde a sua religião – a católica – foi a religião de Estado que contribuiu acintosamente para alienar os portugueses durante aquele odioso regime, ensinando-os a aceitar sem reagir às infâmias e às injustiças porque dos sofredores seria o reino dos céus. Marcelo “esquece-se” que os portugueses não vivem em ditadura mas num regime democrático que derrubou o anterior fascista que durou quarenta anos, e que é candidato à presidência de uma República laica, tal como está consagrado na Constituição e, por todas as razões não deve, não pode e não tem que envolver a sua religião na campanha política para a presidência da República portuguesa, sobretudo num país onde coabitam diversas religiões assumidas por vastos sectores da sociedade que usufruem do exercício da liberdade religiosa que a CRP respeita e consagra, tais como a judaica, a ortodoxa, a budista, a islâmica, a católica, as protestantes evangélicas e outras congregações religiosas como as Testemunhas de Jeová, no mesmo pé de igualdade, ou seja, sem que nenhuma delas seja melhor ou pior, inferior ou superior.

Marcelo não age por conseguinte com assumida independência ao sobrevalorizar a sua religião em relação às demais, que mistura com política, como se estivéssemos ainda no regime de Deus, Pátria e Família. Marcelo não pode, não deve e não tem que transportar para o presente o seu passado, ao tempo em que o seu tio monsenhor António Fernandes Duarte – irmão da sua mãe Maria das Neves Duarte – era o braço direito do cardeal António Cerejeira, tempo esse em que não era clara a linha de separação entre a Igreja e o Estado, não se sabendo onde começavam os interesses de uma e terminavam os do outro.

2 – A segunda razão, quiçá a mais importante, da falsa independência de Marcelo enquanto candidato à presidência da República, tem a ver com a sua sempre estreita ligação ao PSD, partido de que foi presidente e óbvio candidato a primeiro-ministro. Mesmo depois de ter deixado de exercer um papel proeminente e activo na organização partidária, manteve desde sempre uma relação estreita com os posteriores dirigentes laranjas, produzindo pareceres de ordem jurídica de que era incumbido sobre diversas matérias, comparecendo igualmente às actividades políticas organizadas pelo partido como prova de apoio, nomeadamente os seus Congressos, e aceitando colaborar sem pestanejar em outras actividades como por exemplo dando palestras em diversas ocasiões na chamada universidade de Verão para os jotinhas da JSD, entre outras manifestações onde a sua presença se revestia de absoluto interesse para o PSD que beneficiava dessa visibilidade.

A mascarada da ultradireita do PSD tentando fazer passar a ideia de que estava descontente e insatisfeita com Marcelo, foi engendrada com objectivos bem precisos e não passava de uma cândida treta forjada com um dissimulado desapego destinado a dar-lhe a possibilidade de enganar mais uns incautos ao fazer-se passar por independente e neutral. A coisa não vingou e por isso não convenceu ninguém, e o aparente jogo fabricado do gato e do rato chegou ao fim. Agora é oficial : a ultradireira do PSD e do CDS têm em Marcelo o seu candidato oficial e único.

As declarações ambíguas de Marcelo destinadas a dar ares de independência face ao apoio declarado do PSD (e também do CDS) que será formalizado em breve pelo Conselho Nacional laranja, visam sobretudo buscar apoios à esquerda, porque ele sabe que só com o suporte dos partidos da coligação PàF é insuficiente e não irá longe, tendo em conta que os 38,57% obtidos nas eleições legislativas são insuficientes, comparando com os 52,14% que o eleitorado deu aos partidos de esquerda. Dir-me-ão que são eleições diferentes, mas o argumento é frágil na medida em que é inegável a existência de um novo mapa político português, após quatro anos de devastação social da inteira responsabilidade dos partidos que irão apoiar Marcelo. Nesta perspectiva, não há nenhuma independência, pelo contrário, existe sim uma inter-dependência entre o PSD-CDS e Marcelo, e vice-versa.

Por outro lado, não nos esqueçamos do vínculo estreito entre Marcelo e o seu grande amigo Ricardo Salgado do BES com quem intimamente convivia, dando os famosos passeios pelo Mediterrâneo no yacht do Dono Disto Tudo, assim como as festas de arromba na mansão do banqueiro no Brasil, nos célebres rituais dos ricaços vestidos de smoking com que se atiravam para a piscina à meia-noite, nas passagens do ano novo. O mesmo banqueiro (e outros duzentos da respectiva família no BES) que suportou financeiramente as campanhas eleitorais de Cavaco Silva para a presidência da República.

Marcelo, independente?

De uma coisa não há dúvidas e engane-se quem quiser: o ex-presidente do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, é tão mau quanto o ex-presidente do PSD, Aníbal Cavaco Silva. Ambos têm os mesmos interesses e o mesmo ADN ideológico desenvolvido durante o Estado Novo fascista. Quem não gostou de suportar Cavaco durante dez anos na presidência da República, também não deverá suportar dez anos com Marcelo. Se alguém pensa em votar em Marcelo, saiba e não se esqueça que é o mesmo que votar em Passos e Portas. Mas isso é com cada um e cada um que escolha os seus candidatos…

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